Na sua edição de 13 de novembro, a VISÃO trouxe-nos um dossier com algumas estatísticas dos crimes praticados em Portugal, as quais traduzem um fiel retrato do contexto criminológico e de violência do País. Em resumo, podemos concluir que, no total, os números se têm mantido mais ou menos inalterados (apesar do aumento da população), não obstante certos tipos específicos de crime terem aumentado.
Na verdade, os últimos RASI (Relatórios Anuais de Segurança Interna) têm mostrado esta mesma tendência de manutenção dos números globais, registando, porém, um aumento nos crimes praticados por jovens (seja dentro ou fora da escola), na violência doméstica e na violação. Mas também a cibercriminalidade e os crimes de ódio têm aumentado. Apesar de continuarmos a ser um dos dez países mais seguros do mundo, com uma estatística estável ao longo dos anos, estes focos devem exigir de todos nós um especial cuidado e atenção.
Desconstruindo algumas perceções erradas sobre a criminalidade, o dossier dá exemplos concretos da evolução (positiva ou negativa) de alguns dos crimes com maior impacto na sociedade. Ora, no campo dos que registaram recente aumento, temos crimes praticados em contexto familiar (como a violência doméstica e o abuso sexual de criança) ou na maioria por pessoas conhecidas ou próximas (violação). Tanto a violência doméstica como a violação (sobretudo esta) são crimes praticados na sua larga maioria contra mulheres, o que os qualifica como crimes de género. Por outro lado, os crimes de ódio visam determinados grupos de cidadãos, como, por exemplo, migrantes.
Vivemos numa época de influencers, youtubers e podcasters em que se fala sobre tudo. As redes sociais passaram a dominar grande parte da nossa vida – sem que nos tenhamos apercebido – e os algoritmos e a Inteligência Artificial vieram modificar ainda mais o nosso modo de vida. Mas, perguntará o(a) leitor(a), o que tem uma coisa a ver com a outra?
Os jovens (mas também os adultos) vivem cada vez mais agarrados aos telemóveis e tablets, o que os leva a consumir jogos e vídeos em doses diárias. O problema é que cada vez mais encontramos vídeos onde se promove a intolerância, o ódio e a discriminação. E, claro, a violência verbal e até física. Mas não só. A misoginia é “vendida” como algo de bom, natural, levando jovens a olhar para as mulheres como seres inferiores, controláveis, nas quais até se pode bater ou maltratar. Os movimentos de incels têm crescido. A violência de jovens contra outros jovens escalou do bullying para a violência gratuita com origem na raiva, no ódio. Tudo isto afetando muitos jovens, que crescem e desenvolvem a sua personalidade no meio da violência e a ler, a ver e a ouvir tais conteúdos.
Acresce que, no caso específico da violência doméstica, a exposição das crianças e dos jovens a essa violência potencia que se tornem, eles próprios, agressores. Porque crescem no meio da violência verbal e física, num ambiente altamente tóxico.
Não espanta, pois, que os números não desçam (ao contrário de outros) nestes tipos de crime. Os psicólogos já estabeleceram a ligação entre redes sociais (e telemóveis) e a agressividade e até a violência, mas também a redução das capacidades cognitivas e de raciocínio. A pergunta que todos devemos fazer é se estamos a criar e a educar agressores e jovens sem tolerância, respeito e controlo emocional.
Mas não são apenas os vídeos e jogos que os jovens consomem. São também alguns discursos políticos, que ouvem em casa, que promovem o ódio e a intolerância. Quando vemos e ouvimos, por exemplo, responsáveis políticos a fazer gestos e a tecer comentários de cariz misógino, começamos a tomar por normal este comportamento. Quando políticos e influencers dizem, entre outras barbaridades, que as mulheres não são tão inteligentes como os homens, quem ouve repetidamente estes discursos começa a aceitá-los como verdade. E a personalidade em desenvolvimento dos jovens é, assim, moldada neste contexto social e cultural. Crescem a aprender a odiar, a desprezar as mulheres, os migrantes e/ou outros grupos populacionais. Como tal, nunca foi tão crucial apostarmos na educação, na cidadania (veja-se o exemplo dinamarquês, que criou aulas de empatia nas crianças) e na prevenção. Temos de travar esta onda que está a influenciar negativamente as crianças e jovens de hoje, que são o futuro da sociedade.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.