Em resposta à norma de antidiscriminação social vigente em diversos contextos sociais, mais do que ao desaparecimento das crenças e comportamentos discriminatórios dirigidos a grupos sociais minoritários ou desfavorecidos, assistiu-se à sua metamorfose: de manifestações flagrantes e abertas para processos subtis. Esta tendência começou por ser identificada em relação às pessoas negras (e.g., Pettigrew & Meertens, 1995) e está, agora, cientificamente, retratada para outros grupos sociais (e.g., minorias sexuais: MacInnis & Hodson, 2012; pessoas idosas: Boudjemandi et al., 2017).
Quer isto dizer que ocorrem, frequentemente, fenómenos de discriminação social que são encobertos e, por isso, menos identificáveis, chegando a escapar, muitas das vezes, à própria consciência de quem os pratica (Greenwald et al., 1998).
Impõe-se, pois, o combate ao estigma contra a EDM, mais ainda se atendermos ao facto de os problemas de saúde mental se terem agravado de forma significativa e se estimar que uma em cada duas pessoas sofre de um problema desta natureza ao longo da vida
Apesar de subtis, estes fenómenos não são menos lesivos. Compreende-se, então, que disciplinas científicas como a Psicologia Social se venham debruçando sobre esta questão.
Recentemente, um grupo de investigação do ISPA – Instituto Universitário passou a dedicar-se ao estudo dos comportamentos estigmatizantes dirigidos a pessoas com experiência de doença mental (EDM). Resultados por si já encontrados (da Silva, Martins, & Garcia-Marques, 2023) evidenciaram a infrahumanização – isto é, a atribuição de menos características que compõem a essência humana (designadamente, traços como inteligente, competente e civilizado) – de pessoas com experiência de depressão. Paralelamente, os inquiridos manifestaram uma maior distância social em relação a estas pessoas, ou seja, expressaram uma maior dificuldade em exibir comportamentos como namorar com ela, empregá-la na sua empresa ou tê-la como colega de trabalho. Tais resultados sustentam aqueles encontrados noutros estudos: pessoas identificadas através dos rótulos “depressão”, “esquizofrenia” e “transtorno bipolar”, entre outros, são percecionadas como mais perigosas e imprevisíveis, menos competentes e com menos características humanas (e.g., Martinez et al., 2011).
Outras manifestações do estigma da doença mental são as chamadas microagressões (conceito introduzido em 1970 pelo psiquiatra Chester Pierce) que consistem em desconsiderações ou insultos breves, intencionais ou não, subtis ou ambíguos, que comunicam uma mensagem negativa baseada na pertença da pessoa alvo a um grupo marginalizado.
A investigação neste domínio tem identificado vários tipos de microagressões dirigidas a pessoas com EDM, como sejam as micro invalidações que minimizam a importância e intensidade da vivência da pessoa. Expressões como “Isso são tudo coisas da tua cabeça.” e “Não tens a força de vontade suficiente para sair disso.” são delas exemplos e traduzem uma falta de conhecimento acerca da doença mental (e.g., Gonzales et al., 2015; Peter et al., 2016).
Esta literatura mostra que tais agressões são perpetradas por pessoas próximas (e.g., amigos, familiares, professores) e que, apesar de micro, revelam-se extremamente nocivas para as pessoas com EDM a quem são dirigidas, acarretando consequências como um maior isolamento, uma redução da autoestima, uma menor procura de ajuda e uma menor adesão ao tratamento (e.g., Barber et al., 2020).
Impõe-se, pois, o combate ao estigma contra a EDM, mais ainda se atendermos ao facto de os problemas de saúde mental se terem agravado de forma significativa e se estimar que uma em cada duas pessoas sofre de um problema desta natureza ao longo da vida (OCDE, 2019).