Na última crónica falei das virtudes da cozinha alemã e suspeito ter atingido um nervo sensível nalgum leitor mais patriótico. Alguns amigos acusaram-me de me ter vendido. É verdade que estou em processo de adquirir a nacionalidade alemã, não é verdade que tenha renegado as origens, assim que esta crónica reverte o tópico e será sobre comida portuguesa, fora de Portugal, e faz alguma publicidade também…
Longe vão os dias em que, na minha condição de emigrante, me via obrigado, a cada regresso, a importar o necessário ‘kit de sobrevivência de emigrante’ para a temporada. Acho que era o Nuno Sebastião, que hoje emigra por outras paragens, que lhe chamava assim, e o seu era sempre particularmente bem composto, sempre com sabores típicos e genuínos da zona de Coimbra…
O kit era composto dos básicos que uma pessoa necessitava para não deixar o palato entristecer e de vez enquando fazer uma jantarada saudosista. O mais complicado era trazer o bacalhau e os queijos da serra. Bem embrulhados em vários sacos de plástico para evitar que o cheiro propagasse às roupas na mala. Os pastéis de nata, que a malta depois distribuia aos outros no trabalho, ficavam sempre meio esmigalhados. Mais fácil de transportar eram os chouriços, o presunto (fatiado é claro), e o café. Vinho, só quando se trazia mala no porão, mas havia o risco da garrafa partir e fazer uma grande chafurdeira, assim que só raramente…
Mas dizia que esses dias são passado porque hoje em dia, não é preciso. Tudo aquilo que o emigrante precisa, encontra facilmente, aqui em Darmstadt, no Cantinho de Portugal.
Desde há já alguns aninhos que o Cantinho, uma mercearia portuguesa, numa esquina a 750m de nossa casa, vem fornecendo a diáspora lusitana de todos os básicos e muitos extras que precisamos. Todas as terças, levo o meu filho do meio às lições de guitarra, mesmo em frente ao Cantinho e depois da lição lá vamos os dois abastecer-nos à D. Alcina e ao Sr. Anselmo.
O meu filho leva Sumol, pasteis de bacalhau congelados e bolachas belgas, e eu manteiga salgada, queijo flamengo, presunto, duas minis, o azeite e as azeitonas temperadas, e quando ainda sobra, uma broa de milho. A secção do vinho é fabulosamente rica, e ali encontra-se quase tudo! Vinhos regionais de Norte a Sul, vinhos do Porto e da Madeira, Moscatel de Setúbal, e ainda a Ginginha e o Licor Beirão. Temos sempre a nossa garrafeira em casa preenchida e a vida muito facilitada quando é preciso oferecer um bom vinho a um amigo. O bacalhau seco está sempre presente, e contribui para o aroma típico de uma mercearia tradicional.
Os emigrantes mais saudosos e renitentes em se converter ao consumo em alemão encontram todas as principais marcas e produtos nacionais, desde as papas Nestum, o sumo Compal, o leite achocolatado Ucal e a pasta dentífrica Couto. Há ainda produtos frescos de origem nacional, da batata doce às laranjas do Algarve, e secos das nozes e castanhas (na sua época) aos figos. Na arca congeladora encontram-se rissóis, frango assado piri-piri, sardinhas, marisco, lulas e polvo, e, é claro, os pastéis de nata.
Agora, em vez de partilhar pasteis de nata esmigalhados na mala, trago aos meus colegas pasteis acabadinhos de sair do forno. Sucesso instantâneo!
A Alcina está cá em Darmstadt há tanto tempo quanto eu, 15 anos, e conheceu o Anselmo no primeiro dia que cá chegou. O Anselmo vive cá há mais de 30 anos, tendo emigrado ainda bastante jovem. Ambos provenientes do conselho de Famalicão, ela de Meais e ele de Ribeirão. Ambos falam sempre com saudades da sua terra natal, mas reconhecem que têm boas condições para a sua família aqui na Alemanha. É também a Alcina que ma fala das aulas de Português para crianças numa das escolas da cidade e o Anselmo que me põe em contacto com a Daniela, filha de emigrantes, para tomar conta dos nossos miúdos quando queremos sair à noite. E diz-me também, “já que vai escrever um artigo, então mencione também o evento no dia 9 de Março, às 18 horas na SVS Grillhütte, em Griesheim, a comunidade Portuguesa toda aqui de Darmstadt e arredores vai-se reunir para angariar fundos para a pequena Debora de 5 anos, que sofre de um tumor cerebral, todos são benvindos!”, e eu prometo que menciono.
E poucos metros mais adiante, e quando queremos mostrar a alguém alguns pratos da gastronomia portuguesa, levamos os nossos convidados à Adega Alentejana, o restaurante que a D. Maria lidera, com enorme sucesso, aqui em Darmstadt, há quase 20 anos.
É difícil manter um restaurante genuinamente português fora de Portugal, as influências da clientela local onde o restaurante se encontra, misturadas com uma frequente associação de Portugal à Espanha e ao Brasil, fazem com que os menus evoluam e misturem essas influências todas. Para mim, é um bocado o caso da Adega, mas mesmo assim, encontram-se grande parte dos sabores que mais falta fazem: Os pastéis de bacalhau para a entrada, e nas sopas, o caldo verde e a açorda, no pescado as sardinhas, o peixe espada, os chocos e o polvo, e o bacalhau de variadas formas, e nas carnes o coelho ao vinho do Porto, o frango assado, e, é claro, não podia faltar numa casa Alentejana, a carne de porco com ameijoas. Tudo regado a bom vinho ou cerveja nacional. Para a sobremesa, o pudim flan e uma bica fecham o menu.
São cantinhos destes, que vamos encontrando em muitas cidades pela Europa fora, e que além de serem embaixadores da gastronomia nacional, fazem a vida mais feliz a muito emigrante saudoso e criam laços e pontos de referência na comunidade portuguesa emigrada.