Se aceitarmos a ideia comum de que a forma geográfica da Eslovénia no mapa se parece com uma galinha, a região de Prekmurje é a cabeça. Fica a duas horas de automóvel, o que não é assim tanto tempo para quem, como eu, demorou muitas vezes esse tempo para atravessar a ponte 25 de Abril para Lisboa e encontrar estacionamento, mas é muito para um esloveno que está habitado a entrar noutro país após uma hora ao volante.
Quando deixamos a paisagem montanhosa de Maribor em direção a Murska Sobota, a capital regional de Prekmurje, apercebemo-nos da vasta planície que temos pela frente que nos faz lembrar o mar. Esta zona da Europa central é às vezes é chamada de mar de Panónia porque pertence a uma área onde realmente existia um mar (há cerca de 10 milhões de anos) que incluía a parte norte da Croácia, Sérvia, Roménia, e a maior parte da Hungria. A paisagem plana até onde a vista poder alcançar, o céu aberto ao seu redor, onde até a passagem do tempo parece diferente.
O famoso moinho de rio da região bastante bem preservado, que ainda mói a farinha com a ajuda do rio Mura. É um ponto de paragem clássico do turismo local, onde se pode ver o funcionamento dos seus mecanismos e comprar o produto final: a farinha de uma diversidade de cereais
A outrora República de Prekmurje era um estado não reconhecido, uma área tradicionalmente conhecida em húngaro como Vendvidék, que durou de 29 de maio a 6 de junho de 1919). Talvez esses 7 dias de estado independente tenham sido suficientes para deixar nas pessoas que originam desta região o sentimento de desalinhamento. Ou talvez seja o facto de que o esloveno falado nesta parte do país ser um desafio para a maioria das pessoas que não nasceram e cresceram por aqui. Ou talvez o facto de que viver entre essas culturas tão diferentes (eslovena, croata, húngara e austríaca) faz com que uma pessoa seja estranha a todas elas. Isso continua a ser entendido, mas certamente não é uma pergunta fácil de responder.
A culinária tradicional por cá inclui a tão eslovena sopa de cogumelos lado a lado ao langus húngaro. É inevitável a comparação com a cozinha húngara vizinha, especialmente quando o prato principal – o bograč – se assemelha tanto aos golaš bem conhecido como húngaro. Sou um defensor da ideia de que o golaš (uma variação de guisado de carne que se cozinha por várias horas) não é húngaro, mas sim desta região da Europa. No entanto, é uma adaptação, tanto quanto bograč não é golaš, e vamos parar aqui para não ofender ninguém.
A paisagem plana da região de Prekmurja, muito pouco comum na Eslovénia, que aqui se expressa de foma serena e vasta. Diz-se que foi outrora parte do que por cá chamam de mar de Panónia, que outrora foi mar ligado ao Mediterrâneo
Então, apressamo-os para chegar ao famoso Miln na Mure (um famoso e antigo moinho de rio) antes que feche, para adquirir a farinha que lá é feita de maneira tão tradicional ao longo de gerações, e ver os processos e as máquinas que o fazem correr desde outros tempos. Agora estamos prontos para tomar um café na calma cidade de Murska Sobota, que parece ter sido tirada de um dos filmes de Lars Von Trier. Em posição central, o parque da cidade com um pequeno lago e o museu da cidade que é mais como um castelo monumental
Passamos a noite no turismo rural de Čebelj Gradič (qualquer coisa como “o castelo das abelhas”). Este alojamento é uma antiga quinta com a tradição da produção de mel. Quando chegamos temos uma recepção calorosa pelo proprietário deste negócio familiar de pelo menos 3 gerações, e outros convidados estavam já a nossa espera para visitar a casa das abelhas. A abelha é um animal muito importante na Eslovénia, sofrendo recentemente várias ameaças (especialmente devido ao uso de pesticidas na agricultura), pelas quais todos somos responsáveis. Esforços como esse permitem a consciencialização para o ambiente, para a rotinas das abelhas, etc.
Aqui podemos comprar vários tipos de mel, ou o tão desejado óleo de abóbora. Este ouro verde, o óleo de semente de abóbora, é proeminente em Prekmurje, tem Denominação de Origem Protegida da UE. Outro símbolo gastronómico da região é a conhecida gibanica, também conhecida com o curioso nome internacional “over-Mura-mooving-cake” (cuja tradução se parece com bolo-que-se-move-sobre-o-rio-Mura). Esta parece-me realmente uma ótima ideia de marketing para chamar a atenção para este bolo. Quando cheguei à Eslovénia e ouvi falar dele, andei muito tempo à procura desta mística iguaria culinária, apenas para descobrir que afinal é apenas um bolo de camadas sem nada por aí além. Mas um bolo com muita tradição e internacionalmente protegido, quase como um pedaço da identidade desta quase-república. Contém sementes de papoila, nozes, maçãs, passas, etc, mostrando a variedade da agricultura nesta região.
E agora um conselho para todas as famílias com crianças: Vulkanija. Pergunto-me quantos eslovenos já sabiam que há um vulcão adormecido na região. Começamos a descer as colinas imaginando ir na direção da sua cratera mas… estávamos errados. O velho vulcão é plano. O parque de diversões construído em torno dele é recente e muito bem feito, muito pedagógico e interativo e com diversas atividades apoiadas por projeções de vídeo e guias locais. Faz lembrar a viagem ao centro da terra, do romance de Júlio Verne, terminando numa viagem de comboio que parece ser trazido de uma antiga mina local. Não posso dizer mais nada para não estragar nenhuma surpresa.
E, pouco antes de partir, finalmente, vemos cegonhas que tantas pessoas nos disseram serem fáceis de encontrar por cá. Em cima de um daqueles antigos postes de luz, majestosamente em pé no seu ninho, lá estão elas quase como se estivessemos a passar por Alcácer do Sal. Olhando para os vastos campos além da vista, é inevitável cair na nostalgia, sentindo novamente o gosto da viagem que uma vez me trouxe à Eslovénia há tantos anos. Estou feliz porque o fez, é fantástico estar cá.