
O telefone tocou:
– Estou numa reunião. É urgente? Ou posso ligar-te de seguida?
– Zé, vou enviar-te uma mensagem para veres se pode seguir assim para a ministra.
– Ok, envia pelo whatsapp.
Recebo a mensagem, duas aliás. Devolvi. Passado uma hora recebo o telefonema:
– [Gargalhadas sonoras nos primeiros segundos]
– Estou? O que se passa, estava assim tão mal?
– Não! Desculpa Zé, mas já me ri tanto, tanto. A primeira mensagem era para a ministra, mas a segunda era para ti. Eu é que te estava a convidar para vires assistir ao Yuri da Cunha na Casa 70. Aceitas?
– Aceito, vou pois. Abraço
– Abraço.
A Casa 70 é uma das mais notáveis casas de espectáculos na capital angolana. O ambiente intimista convida a prestar toda a atenção ao espectáculo. Se for bom, torna-se muito bom, se for mau, imagino que seja um martírio. 19h00 e o público começa a chegar. O espectáculo era antecedido por um jantar. E o artista chega. Em Portugal, estou habituado a ver estes artistas envoltos numa grandiosidade que Hollywood nos impôs. Artista que se preze cria uma aura de inacessibilidade. Por cá, se do calor, se do à vontade que a terra nos incute, eles sentem-se agradecidos pela presença do público, muito ao contrário do ar de enfado que na Europa assistimos aos semi-deuses pisando os palcos. A sala estava lotada às 320 pessoas, ouvi. Sei apenas que sentia a sala cheia e quando se apagaram as luzes, só se sentia a presença do Yuri, em palco.
Na Banda, começo a trabalhar às 07h30. Se por razões culturais, se pelas horas de sol, começar a trabalhar cedo é um hábito tão natural quanto deitar cedo. Um espectáculo a meio da semana é algo que pode perigar o equilíbrio do descanso tão necessário à minha pessoa. E, sendo a primeira vez que ia assistir a um espectáculo do Yuri da Cunha, estava ansiosamente à espera de gostar o que, na minha pessoa, é meio-caminho para me arrepender. Quinta-feira foi o primeiro de quatro espectáculos. Três horas a cantar, com convidados, numa perfeita interacção com o público, três horas a encantar. Provavelmente, quando se gosta de um espectáculo, achamos que foi desenhado só para nós. Aquele momento egoísta de acharmos que quem canta, canta para outro, não para outros. A ajudar a esta ilusão, o lugar onde eu estava, a mesa mesmo em frente ao palco, mesmo em frente ao artista. Daquelas sortes que só as circunstâncias de amizade nos concedem. Dei comigo a pensar várias vezes que é uma sorte poder participar destes momentos, que é uma sorte poder participar destes momentos, únicos, que nos marcam. Yuri da Cunha apelou a uma maior valorização da música nacional e dos pioneiros desta arte no país e foi acompanhado por todos nós, a plateia de serviço e cantávamos em uníssono (quase) todas as canções. Yuri não é um cantor convencido, pelo menos em palco, vai medindo a temperatura, a tons de vergonha e vai-se libertando quando sente que o público o ajuda, que canta, que vibra e isso torna-se numa escalada da inspiração.
Mas a cereja no topo do bolo, ou, como aqui se pede às refeições, a “alegria do lar” (jindungo inesquecivelmente picante), foi a entrada em palco dos artistas nacionais Nsoki, Robertinho Grupo Kituxi e Ary.
Não é uma apologia do Yuri, mas sim a partilha de uma experiência única de assistir a um nome consagrado desta terra, com outros de renome, num palco, comigo sentado mesmo, mesmo à frente da boca de cena. Lembrou-me outros tempos, os do D. Maria II. E o bichinho dos palcos fica-nos sempre, mas ao contrário dos que nos roem, estes alimentam os bons vícios.
E porque aqui a linguagem assume o peso do que se quer dizer, o que mais se ouve é: “Não é à toa que ele é um dos artistas mais queridos de Angola!
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 40
Nas notícias por aqui: Governo angolano interessado em acordo para evitar dupla tributação
Sabia que por cá… no próximo fim-de-semana acontece o Social Surf Weekend em Cabo Ledo!
Um número surpreendente: Depois da extracção do maior diamante alguma vez encontrado em Angola – uma pedra branca de 404 quilates retirada em Fevereiro -, e da descoberta de um diamante rosa de 38,6 quilates, o maior do género daí extraído até à data, é a vez de juntar à lista milionária um diamante aluvionar de 104 quilates encontrado recentemente. Soma e segue.