Nunca ninguém disse que ia ser fácil. A vida de líder da oposição, sobretudo com um governo de maioria absoluta em funções, é uma penosa travessia no deserto, com pouca água para sobreviver pelo caminho e um oásis das eleições antecipadas como miragem. Basta olhar para trás e ver como outros líderes neste lugar tiveram um trabalho igualmente difícil, tanto no PSD como no PS. António Guterres, Barroso e Rui Rio passaram as passas do Algarve; outros, como Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e Ferreira Leite, nem chegaram a ir a votos. Sim, fazer oposição mói e dá raras alegrias.
Uma coisa, porém, distingue os dois partidos do centro: o PS convive melhor com várias tendências e une-se mais em torno de uma liderança por puro pragmatismo e instinto de sobrevivência, tendo em vista a manutenção no poder. Já o PSD é um triturador de líderes – teve 19 desde 1976, enquanto o PS apenas oito. Luís Montenegro tem, por isso, uma tarefa duplamente complicada: sobreviver às estocadas internas e impor-se como alternativa a um Governo instalado, com a cobertura de uma maioria mais do que sólida na Assembleia da República.
A opinião pública e as sondagens, valendo o que valem – que é pouco, em períodos distantes de atos eleitorais [ver artigo nesta edição] –, têm sido pouco generosas com ele. Nos últimos dias, dois inquéritos distintos mostraram um PSD em queda. A sondagem do ICS/ISCTE revelou 31% das intenções de voto para o PS, e o PSD com 25%; a da Aximage mostra também o PS à frente e, principalmente, uma deterioração das intenções de voto de três pontos percentuais no PSD face ao estudo anterior, de julho. Com inflação alta e problemas graves na habitação, na saúde e na educação, com um ministro debaixo de fogo num processo de corrupção no seu ministério e a memória bem fresca dos casos e casinhos sucessivos no Executivo, com um recuo gritante e incerteza na TAP, a pergunta que se impõe é: como é que o PSD, com uma nova liderança há um ano e cinco meses, não consegue capitalizar isto, descolar e assumir-se como alternativa?
Parte da resposta a esta questão prosaica encontrámo-la na entrevista de fundo que Luís Montenegro teve oportunidade de dar à TVI/CNN, em formato Town Hall, uma semana depois de o primeiro-ministro também ter feito o mesmo. O que se viu foi um líder simpático, bem-intencionado e aparentemente energético, mas a quem faltaram dois ingredientes fundamentais: convicção e ideias.
Finalmente, tanto tempo e impasse depois, Montenegro demarcou-se com clareza do Chega e disse que: 1. não formará governo se não for o mais votado; 2. não fará qualquer tipo de acordos de coligação ou outros com o partido de André Ventura; 3. formará um governo minoritário, chutando para a AR (PS ou Chega?) uma eventual responsabilidade de o segurar. Vem demasiado tarde, mas enfim, mais vale tarde do que nunca. Já a proposta-bandeira que os sociais-democratas têm para apresentar é uma devolução dos impostos cobrados a mais, uma descida do IRS de 1,2 mil milhões e um corte faseado do IRC até aos 15%. À pergunta essencial sobre onde vai cortar para sustentar isso, uma resposta de fé: vai ficar tudo bem, porque vamos atrair mais investimento. Como é que isso acontece – não se percebe bem. O que faria de substancialmente diferente, também não. Para lá da matéria fiscal, muitas críticas ao caminho escolhido, mas um vazio de alternativas. Sobretudo, falta uma visão clara para o País, que entusiasme e galvanize. Ou, se a tem, não está a conseguir transmiti-la.
Rejubilam as hostes rosa, agitam-se as laranja. E, bem à vista de todos, afiam-se as facas e enfileiram-se as opções à sucessão. Minutos antes de Luís Montenegro entrar em cena, Miguel Relvas exigia-lhe, no mesmo canal, “um golpe de asa” e sublinhava que “não há duas oportunidades para criar uma boa primeira impressão”. Carlos Moedas usa o seu palco autárquico para fazer marketing pessoal nacional – evidente na manobra de anunciar, nas cerimónias do 5 de Outubro, uma celebração do 25 de Novembro. Pedro Passos Coelho, “na reserva”, já avalia um regresso se o PSD falhar as europeias, titula o Expresso.
Montenegro, sob pressão, chuta para canto e diz que, se perder as europeias, tem muito tempo para subir nas sondagens, sublinha que ele é que é o candidato a primeiro-ministro, como no velhinho sketch dos Gato Fedorento (“eu é que sou o presidente da Junta”), ao mesmo tempo que empurra o amigo Passos para a academia.
Tudo isto, visto de fora, faz impressão – e, como alternativa, não se afigura grande coisa. O que, mais do que uma pena, é um problema. A democracia portuguesa vive de uma saudável alternância entre dois partidos fortes de centro. Nas próximas legislativas, o PS estará há 11 anos no poder – uma eternidade. Aos sociais-democratas só apetece, pois, gritar: organizem-se, caramba!
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