Aberto e provado o que comparou a um “melão”, o que o Presidente da República encontrou foi um pepino sensaborão – e não se habituou ao gosto. Devolveu-o ao produtor, com uma nota crítica implacável.
Pela 28ª vez desde que assumiu funções, Marcelo Rebelo de Sousa recorreu ao veto político, juntando um julgamento fortemente negativo em relação ao pacote Mais Habitação. Algo que já se antecipava, tendo em conta o que foi dizendo antes em relação às medidas colocadas inicialmente em praça pública – um conjunto de normas “inoperacional” e “inexequível”, uma “lei-cartaz” que não passa de propaganda. Nem as muitas alterações que se sucederam face à primeira versão mudaram a impressão inicial.
É o segundo veto político em mês e meio, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter mandado para trás o diploma sobre a progressão na carreira dos professores apresentado pelo Governo. Vem juntar-se às várias promulgações com notas muito duras (como o estatuto das CCDR, o novo regime de avaliação no Ensino Secundário, as alterações no acesso ao Ensino Superior e o diploma sobre o Conselho das Comunidades Portuguesas) apresentadas nos últimos meses.
O timing é certeiro: carrega pressão sobre António Costa na rentrée política, às portas do Conselho de Estado que ficou suspenso e cuja segunda parte foi remarcada para 5 de setembro.
Sim, é por demais evidente que há um AG e um DG. Tudo mudou no clima de coabitação colaborante e pacífica que unia PR e PM, desde o conflito institucional aberto por causa de João Galamba. A jogar à defesa, preocupado também com a sua popularidade e temendo sair contagiado pelos erros, casos e casinhos deste Governo, Marcelo deixou de colocar a mão por baixo do Executivo. Ao invés, sempre que pode e a sua consciência lho dita, tem somado críticas e reparos, lançando pistas à oposição – nomeadamente ao PSD, que vê como meio desnorteado – na forma como cavalgar esta fase política e conquistar espaço para solidificar uma alternativa. É uma espécie de líder da oposição fofinha, que não manda abaixo o Governo, mas não lhe facilita a vida.
Agora, com o melão devolvido à proveniência, cabe ao Parlamento alterar ou confirmar o diploma. O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, já veio dizer que o diploma seguirá de volta a Belém sem alterações – que é como quem diz que se dane a opinião do Presidente, mantemos a nossa. Em 44 anos, o Parlamento só deu seguimento a 15 leis que foram vetadas pelo Presidente da República, obrigando-o a promulgar diplomas contra vontade. Uma afronta clara, a evitar quando se quer cultivar boas relações no eixo Assembleia/São Bento-Belém, mas sintoma de um azedar de relações e de uma notória “absolutite aguda” – a atitude de possança e alguma soberba que, inevitavelmente, parece vir com as maiorias absolutas.
Marcelo Rebelo de Sousa está, nesta matéria, coberto de razão. E percebe-se porque se quer distanciar publicamente das soluções apresentadas com este veto político. O pacote Mais Habitação está longe de ser eficiente e funcional. Como tinha escrito antes, o pacote tem mais de foguetório e de intenções do que de medidas com efeito rápido na vida das pessoas. Tem Estado a mais e levanta inúmeras questões de princípio que não são despiciendas. E, sem uma busca de consenso alargada – sempre desejável neste tipo de matérias estruturantes –, tem tudo para ser revogado antes de começar a surtir efeitos práticos que se vejam.
Sim, porque algo ficou subentendido na sua intervenção recente: Marcelo não acredita, ou não quer acreditar, na reeleição do PS nas próximas legislativas, mesmo dando de barato que não há, pelo menos por enquanto, razões para eleições antecipadas. “Precisamos de uma reforma que não fosse para dois anos”, disse o Presidente da República, justificando o veto e impelindo a uma negociação com a oposição. Deixando a mensagem subliminar no ar: a partir de 2026 mudam-se os tempos e mudam-se também as vontades. Será?
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