Não se sabe ao certo quanto valem, só se estima que sejam muitos biliões de euros movimentados através de circuitos paralelos – redes secretas e altamente eficientes com empresas de fachada em paraísos fiscais que servem de autoestradas de livre-trânsito criminal.
Nesta indústria vende-se algo com grande valor no submundo financeiro – discrição e segredo em relação às transações de dinheiro – e com isso, consegue-se o pleno: branqueamento de capitais, evasão fiscal, financiamento do crime organizado.
Sabemos que a maior parte do grande crime económico e político ocorre através das offshores que integram esta rede. Veja-se o caso que agitou Portugal nos últimos dias. João Rendeiro tinha sete sociedades offshore: Oltar, Penn Plaza Management, Corbes, Sertin, Porfine, Joma e Sunday Development Corporation, onde escondia 21 milhões de euros. Rendeiro é, claro está, só uma ínfima gota de água num oceano de evasão fiscal transnacional.
Neste domingo, vieram a público novos dados em mais uma mega fuga de informação. Os Pandora Papers, denunciados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, contêm indícios de que 35 líderes mundiais, incluindo atuais ou antigos chefes de Estado e primeiros-ministros, e outros 330 políticos e funcionários públicos estão envolvidos em transações ocultas de riqueza através de sociedades offshore.
Mas há mais: estrelas da moda, do cinema, da música e do futebol também foram apanhadas. Em Portugal, sobressaem apenas três nomes na investigação de Micael Pereira, do Expresso, que integra o consórcio: Manuel Pinho, Vitalino Canas e Nuno Morais Sarmento.
É claro que nem todo o dinheiro em offshores é ilegal nem os propósitos da abertura destas contas são todos mal-intencionados. Mas muitos – os especialistas acreditam que a maior parte – serão.
E, no entanto, aqui estamos. O que mudou desde os Panamá Papers, a imensidão de 2,6 terabytes de informação divulgada em 2016? E depois dos Paradise Papers, denunciados há quatro anos? Pouca coisa. Vários inquéritos e processos e algumas prisões, é certo. Mas o principal talvez seja a perspetiva do problema e o ganho de consciência em relação à sua real dimensão. Permitiu trazer para a discussão casos reais com factos e números que ajudam a perceber porque é preciso fazer alguma coisa em relação a isto.
O quê e como, eis as questões. É complicado e demora tempo. Foram feitas tentativas de correção e sofisticação dos sistemas de controlo destas operações financeiras nas economias ocidentais, mas não se impediu a circulação de dinheiro ilegal – esta só se tornou ligeiramente mais trabalhosa.
Há uma caótica trama de legislação internacional e nacional com mais buracos do que um queijo suíço, há paraísos fiscais que têm este mercado como modelo de negócio e há agentes económicos que ganham muito a tramar tudo isto, além de novas fontes de preocupação, como as criptomoedas.
É preciso trabalhar, através de acordos e das organizações internacionais, para conseguir padrões globais mais sérios e leis nacionais mais rígidas. Mas há um caminho que é preciso ser trilhado e sem o qual não se chega a lado nenhum: responsabilizar os consultores, advogados ou gestores de fortunas, “facilitadores profissionais” como lhes chamou a OCDE num estudo deste ano onde diz que desempenham um papel crucial neste submundo.