Quando um jornalista de um órgão de comunicação social comete um erro, seja ele qual for, o diretor da publicação é sempre o primeiro responsável. Tem de assumir o erro, pedir desculpa aos visados e aos leitores, e se for caso disso, arcar com as responsabilidades jurídicas, criminais e cíveis. Mesmo não tendo tido qualquer intervenção na peça ou desconhecendo o conteúdo, e sendo humanamente impossível a um diretor ler antes tudo o que sai publicado em papel e no online, tem de zelar para que as regras deontológicas sejam cumpridas e para que erros não sejam cometidos. É um fardo pesado, por vezes injusto, dá muitas dores de cabeça, mas, como diz o povo, quem não quer ser lobo não lhe veste a pele.
A mesma coisa acontece com a função de ministro. A responsabilidade pelos erros cometidos nas suas pastas não é necessariamente direta, mas apenas por inerência de funções. E a assunção desta responsabilidade política tem mais a ver com ética, compostura e bom senso do que com quaisquer normativos. Jorge Coelho, Miguel Macedo e António Vitorino perceberam-no bem. Mas nem todos alinham pelo mesmo diapasão. A começar pelo primeiro-ministro. “É um bocado infantil a ideia de que as consequências políticas são a demissão de ministros”, disse António Costa em 2017, quando se pediu a demissão de Constança Urbano de Sousa, perante a enorme tragédia dos incêndios de Pedrógão. António Costa segurou-a nesse verão quente, mas o Presidente engrossou a voz e a ministra acabou mesmo por sair meses mais tarde. Saiu mal, tarde demais – uma infantilidade, dirão alguns.
No caso de Tancos, uma sucessão de factos graves e comprometedores embaraços, até hoje mal explicados, o ministro Azeredo Lopes saiu-se com a tirada de que assumia “a responsabilidade política pelo simples facto de estar em funções”. Sendo essa a ideia, o que importa é a consequência. Que neste caso, por culpa do próprio e, pela tal inerência de funções de quem está acima dele na hierarquia, ela só veio um ano e quatro meses mais tarde, depois de constituído arguido no processo. “Para proteger as Forças Armadas”, explicou. Que entretanto se viram, longos meses, arrastadas pela lama dos paióis.
Dizem as convenções que a responsabilidade política deve ser assacada quando não há condições para estar em funções, por falta de autoridade dos ministros. E isso acontece mesmo, repetindo-me, não estando em causa quaisquer responsabilidades diretas. Muitas vezes, trata-se muito mais da forma como se gere e comunica o problema do que por ter tido qualquer intervenção nele. Estamos de acordo que nem sempre a demissão dos ministros é a melhor solução, se estes agirem como lhes é devido: atuando, sem delongas, sobre o problema de forma eficaz e responsável.
O que nos leva a Eduardo Cabrita e a Van Dunem. Os dois são pesos-pesados na orgânica do Governo, um braço-direito político de António Costa, outra uma magistrada de carreira reputadíssima. Os dois podem até não ter tido qualquer responsabilidade direta nos casos. Mas ambos geriram pessimamente as situações que tinham entre mãos. Nada de novo: vem na esteira de longa práxis política de tentar primeiro chutar para canto, desvalorizar o sucedido, ver se passa entre os pingos da chuva e desaparece entre novos outros afãs noticiosos, tentando pelo caminho sacudir a água do capote.
A frase “bem-vindos ao combate pelos Direitos Humanos” de Cabrita, que deixou arrastar o caso da morte de Ihor Homeniuk às mãos do SEF durante nove meses até finalmente haver consequências dignas desse nome, entrou para o livro das mais infelizes tiradas políticas nacionais. Já Francisca Van Dunem, que nomeou para a função de procurador europeu José Guerra em detrimento da mulher escolhida por um grupo de peritos, veio desvalorizar os erros graves no currículo apresentado. Disse que não conhecia o teor da carta enviada, vitimizou-se chamando de “empolamento profundamente injusto” à indignação nacional e preparou-se para nada fazer. “Nenhum desses lapsos é determinante da escolha que é feita. O Conselho não é um grupo de alienados mentais”, atirou, irritada.
Mas, tal como no caso SEF, lá acabou por sair um diretor da estrutura. Van Dunem foi depois desmentida por um comunicado interno enviado aos jornalistas assinado pelo demissionário, que dizia que a ministra conhecia o conteúdo da missiva, mas que desapareceu entretanto misteriosamente e ninguém se responsabiliza por ele. Ainda estamos pois para perceber quem é que é o alienado nesta história…
Ninguém pede que rolem as cabeças dos ministros ao mais pequeno problema, mas é bom que quando os problemas forem sérios, pelo menos as usem.