As conclusões de um estudo recente, publicado na revista científica Nature, são esclarecedoras: ao analisarem a história climática do planeta, com base em sedimentos e noutros elementos armazenados pela Natureza, como corais e lagos, um grupo de investigadores descobriu que o atual ciclo de aquecimento tem sido o mais rápido e intenso dos últimos dois mil anos. Fica assim demonstrado que não estamos a viver um fenómeno cíclico ou limitado a alguns continentes, como ocorreu noutras alterações climáticas do passado, quando os vulcões eram o principal fator de influência dessas mudanças. Segundo os cientistas, esta nossa era industrial é a primeira em que se regista um aquecimento que afeta 98% do planeta, de forma consistente e uniforme. Como consequência desta nova realidade, os cientistas preveem que os fenómenos meteorológicos extremos serão cada vez mais frequentes e intensos. A onda de calor que, nos últimos dias, tem batido recordes de temperaturas máximas em muitos países europeus é apenas um exemplo disso.
Este estudo científico é relevante porque, com a frieza e a clareza dos números, nos alerta para um facto que precisa de ser encarado de frente: o aquecimento global existe e vai agravar-se nos próximos anos, independentemente do que fizermos no nosso território e por mais que desvalorizemos as suas consequências só porque o “nosso” verão tem sido mais fresco do que o dos outros. A Terra está cada vez mais quente e, por consequência, vão ocorrer mais incêndios. Com um efeito de cascata ainda incomensurável: sempre que uma floresta arde, liberta para a atmosfera o dióxido de carbono que, durante anos, foi acumulado nas suas árvores. Com mais CO2 na atmosfera, aumenta a temperatura global. E, como sabemos de ciência certa, com temperaturas mais altas também aumenta o risco de incêndio que, por sua vez, liberta mais CO2 para atmosfera – criando-se um círculo vicioso do qual não se sai com meia dúzia de declarações de intenções ou medidas avulsas.
A situação do planeta é grave e precisamos de tomar consciência de que só tenderá a piorar, nos próximos anos. Por mais eficiente que possa tornar-se o SIRESP ou, com a ajuda e a solidariedade dos outros países, por mais meios aéreos que se reúnam, os incêndios vão continuar a deflagrar, porventura mais fortes e violentos. Não vamos conseguir evitá-los – apenas poderemos tentar atenuar os seus efeitos. Da mesma maneira que também não conseguiremos impedir que aconteçam novas ondas de calor, particularmente perigosas nas grandes cidades, ou a ocorrência de grandes tempestades, que vão mudando a face do litoral e das povoações costeiras, mas temos o direito de exigir que os Estados preparem planos de contingência que minimizem os seus efeitos, de forma a proteger populações e territórios. É esse o dever dos governos perante a enormidade da tarefa que se avizinha.
Ora, em face de tudo aquilo que se foi sabendo, nos últimos dias, sobre o programa Aldeia Segura, os kits de autoproteção, as golas antifumo “inflamáveis” e a intrincada cadeia de afinidades entre empresas fornecedoras, membros de gabinetes ministeriais e responsáveis autárquicos, sempre com a mesma filiação partidária e, em alguns casos, reforçada com a já inevitável ligação familiar, a imagem que ficou foi exatamente a oposta: a de que se andou a “brincar” à proteção civil e com o fogo. O que é inadmissível, nestes tempos.
A seguir à tragédia de junho de 2017, em Pedrógão Grande, escrevi neste espaço que, perante a inevitabilidade de novos incêndios, era boa ideia começar a aprender com os bons exemplos do Japão, onde a proteção civil e a defesa das populações são sempre uma prioridade e um assunto sério. Volto a repetir o mesmo conselho: em vez de se refugiar na arrogância ou no silêncio, o ministro Eduardo Cabrita devia ter pedido logo desculpa, com uma humildade japonesa, e evitar que as chamas da polémica afetassem a credibilidade da Proteção Civil e dos programas de defesa das populações. Com o fogo não se brinca.
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