Apesar de todas as críticas e polémicas, o Fórum Económico Mundial conseguiu quase sempre atrair os grandes líderes internacionais e, durante alguns dias, ano após ano, transformar a pequena Davos, nos Alpes suíços, no centro do mundo – o local onde as elites políticas e económicas se encontram e apresentam os seus pontos de vista, num misto de feira de vaidades e de jogos de influência. A notoriedade do encontro anual, organizado pelo professor alemão Klaus Martin Schwab, é frequentemente lembrada pelas reuniões improváveis que ocorreram, ao longo dos tempos, na luxuosa estância de ski. Foi em Davos que, em 1988, os governos da Grécia e da Turquia chegaram a acordo para evitarem uma guerra iminente entre os dois países, e foi também ali que, em 1990, poucas semanas após a queda do Muro de Berlim, os líderes das duas Alemanhas (Hans Modrow e Helmut Kohl) começaram a debater a reunificação do país.
Depois, claro, existe outra parte da História: foi também em Davos que, durante anos e anos, se debateu o futuro da economia mundial, sem nenhum dos seus participantes se mostrar realmente preocupado com os sinais que anunciavam, com cada vez maior clamor, a grande crise financeira que abalou o planeta em 2008, com as consequências que nós conhecemos.
Mas a verdade é que, depois de vencido o impacto dessa crise, a reunião de Davos ganhou, nos últimos anos, uma nova notoriedade, conseguindo atrair os líderes mais poderosos e influentes do planeta, para ali apresentarem as suas visões do mundo e, com muita diplomacia à mistura, vincarem as diferenças face aos seus adversários. Davos conseguiu igualmente afirmar-se como o lugar onde os seus participantes, quando lá chegam, quase se sentem obrigados a defender a globalização económica, baseada mais numa confluência de interesses e menos na partilha de valores. Nesse campo, todos se recordam de como Lula da Silva se transformou, na primeira década deste século, numa personalidade de grande prestígio internacional, graças à forma como, nas suas intervenções em Davos, sempre soube estender a mão aos mercados, ao mesmo tempo que, com a sua presença, ajudou o Fórum Económico Mundial a ganhar uma face mais social.
Nos últimos dois anos, Davos parecia ter iniciado uma nova fase: a de um palco para a defesa da globalização e da união de esforços a nível mundial, face aos desafios da economia, das mudanças climáticas e das transformações tecnológicas. Em claro contraste, note-se, com a visão unilateralista expressa por Trump e seus seguidores. Em 2017, Davos recebeu, pela primeira vez, um líder chinês. E Xi Jinping surpreendeu a assistência ao afirmar-se como o campeão da globalização. No ano seguinte, a parada subiu ainda mais alto, com Narendra Modi (o primeiro líder indiano em Davos) a sublinhar a importância do diálogo internacional, com Donald Trump a ser o primeiro Presidente dos EUA a irromper pela reunião, em 18 anos de História, e com Emmanuel Macron a proferir um dos maiores discursos de sempre em Davos, em inglês e em francês, no qual prometeu que a França ia voltar ao centro da política mundial.
De um ano para o outro, tudo está diferente. Em vez das preocupações globais, quase todos os principais líderes vão faltar ao encontro de Davos, porque estão ocupados a “apagar fogos” nos seus países, como são os casos de Trump e de Macron, que foram obrigados a cancelar a sua presença, quase à última hora.
Assim, ironia das ironias, a reunião que serve para debater, segundo a organização, a Globalização 4.0 terá como protagonista mais sonante e aguardado – face à novidade de vê-lo pela primeira vez num grande palco internacional – o novo Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro: a maior ameaça à reputação do Brasil como uma sociedade aberta e democrática. E se Bolsonaro vai ser o cabeça de cartaz de Davos, bem podem os organizadores anunciar: pedimos desculpa por esta interrupção, a globalização segue dentro de momentos. Ou serão os poderosos de Davos capazes de amansar o “cara” e evitar um maior caos no mundo?