Não é justo nem rigoroso, embora possa ser emocionalmente admissível, olhar para a vitória no Festival da Eurovisão como um sinal de desenvolvimento do País. Mas é forçoso reconhecer que por detrás do triunfo de Salvador e Luísa Sobral está um dos melhores sintomas do Portugal atual: a afirmação de uma geração nascida em plena liberdade e integração europeia, educada em clima de tolerância, ambiente cosmopolita e de grande abertura ao mundo. É isso que, acredito, explica muitos dos recentes êxitos do País, nos mais diferentes setores.
As transformações das sociedades fazem-se de uma forma muito mais lenta do que costumam prometer os políticos e, agora, também os economistas. É verdade que o País mudou muito ao longo de 43 anos de democracia e 31 anos de integração europeia, sobretudo ao nível de infraestruturas, no acesso à ciência e à cultura, na disseminação do conhecimento e da educação. Mas demora muito mais tempo a mudar as mentalidades do que a construir uma ponte ou uma autoestrada. E, durante todo este processo, houve gerações que nunca perderam as sombras e as angústias que ficaram dos tempos de um Portugal amordaçado – segundo a célebre expressão de Mário Soares –, e que, em muitos casos, carregam ainda o peso de um indisfarçável complexo de inferioridade face aos outros países.
Só nos últimos anos é que começou a irromper uma geração para quem nunca existiu esse complexo de inferioridade nacional, que nunca se referiu ao País como o “Portugalzinho” ou a nação pequenina sem hipóteses de competir com os outros. Para eles, nada disso fazia sentido. Quando nasceram já viviam numa democracia consolidada e integrada na Europa e onde foi natural, ao longo do seu processo de crescimento, ver um português ganhar o Prémio Nobel, passear na Expo’98, vibrar com a festa do Euro 2004, ver atletas a ganhar medalhas em todos os Jogos Olímpicos, festejar capitais europeias da cultura, prémios Pritzker e Bolas de Ouro. Também nunca tiveram de ir a Paris para saber o que era uma Fnac, nem se viram obrigados a viajar para outro país só para ver o espetáculo da sua banda favorita – mas começaram a percorrer a Europa e o mundo mais cedo do que todas as gerações anteriores. Mais relevante ainda: foram educados no seio de famílias mais instruídas do que os seus pais tinham sido, acederam desde cedo à internet, aprenderam inglês, beneficiaram de bolsas para estudar no estrangeiro. Cereja no topo do bolo: puderam viver durante meses no estrangeiro, junto de jovens de outros países, graças ao programa Erasmus – aquele que mudou a vida de Salvador Sobral, conforme ele próprio tantas vezes reconhece, e cujo papel transformador para tantos jovens foi justamente salientado pela Comissão Europeia na sua mensagem de felicitações ao cantor.
É também a esta geração que se deve, em larga medida, o recente êxito do turismo em Portugal e, por consequência, dos últimos indicadores económicos. No momento pior da crise e das imposições da troika, foi esta geração bem preparada e com mundo que começou por criar alojamentos nos centros históricos até então degradados, a revitalizar pequenos negócios tradicionais, a saber responder à procura de quem chegava a Portugal em voos low-cost. Não precisaram de inventar soluções mirabolantes nem de copiar fórmulas estrangeiras: bastou-lhes serem como eram, autênticos e genuínos, porque sabem que são exatamente iguais aos turistas que recebem. Por isso, começaram a promover o Portugal que eles próprios gostavam e acarinhavam, sem precisar de o mascarar. E essa é a grande lição desta geração: a de que se pode triunfar com base naquilo em que se acredita, e sem complexos de inferioridade. Eles são a melhor notícia deste Portugal desamordaçado.
(Editorial publicado na VISÃO 1263, de 18 de maio de 2017)