Pode parecer um acontecimento distante, quase sem significado para além do protocolar, mas grande parte do nosso futuro próximo pode ficar definido, esta semana, durante o encontro de dois dias entre Donald Trump e Xi Jinping. No resort de Mar-a-Lago, na Florida, nos dias 6 e 7, não se vão reunir apenas os presidentes dos EUA e da China. É muito mais do que isso: é a reunião dos líderes das duas únicas atuais superpotências mundiais, a viverem, ambas, momentos decisivos na sua história e, por consequência, com implicações diretas em todo o planeta. São as duas maiores economias mundiais frente a frente. Mas também os dois países com maior orçamento anual na área da Defesa. Dois gigantes que disputam o mesmo mercado global e, em muitos casos, as mesmas zonas de influência. Naturalmente, com atitudes e estratégias diferentes, devido ao peso da História, da tradição e da geografia. Mas também devido ao perfil dos seus líderes, ambos determinados a cumprir os sonhos grandiosos que têm para os respetivos países.
De um lado, temos um Donald Trump que, desde a tomada de posse em janeiro, tem sido notícia todos os dias e pelas mais diversas razões: por causa dos seus tweets disparatados, da assinatura de decretos a tentar reverter o legado de Obama, das frases ameaçadoras e até dos apertos de mão, com coreografias simbólicas, a cada líder que recebe e com quem se encontra. Do outro, um Xi Jinping com um poder reforçado na hierarquia chinesa – sem paralelo desde os tempos em que Deng Xiaoping liderou a abertura económica do país mais populoso do mundo – e que se tem mostrado um “duro” na política interna e regional, mas “suave” na imagem internacional. De um lado, temos ainda uma América a perder influência e, do outro, uma China que no curto espaço de uma geração conseguiu saltar de uma economia do tamanho da de Espanha para disputar, com os EUA, o título de maior economia do mundo. Não é um caso raro que uma potência emergente ameace a potência estabelecida. A primeira vez ocorreu no século 5 antes de Cristo (há quase 2500 anos!), na Guerra do Peloponeso que, durante quase três décadas, opôs as cidades de Esparta e Atenas. E qual foi o motivo para que as duas cidades entrassem num conflito quase interminável, e que as deixou destruídas? “Foi a ascensão de Atenas, e o medo que isso inspirou em Esparta”, escreveu, na época, o historiador e comandante naval Tucídides, na sua obra sobre o conflito, considerada um dos textos clássicos fundamentais para qualquer historiador ou pensador político. E que se revela cada vez mais atual nos dias de hoje, em que Donald Trump, na sua campanha eleitoral e nos primeiros momentos após a eleição, elegeu a China como inimigo principal, ameaçando-a com uma guerra comercial e, no caso extremo, até com uma intervenção militar na Coreia do Norte, caso Pequim não consiga anular os devaneios nucleares do seu “vizinho” Kim Jong-un.
Qual tem sido a resposta chinesa na maior parte dos casos? Manter o silêncio perante cada ataque de Trump, mas ir avisando, com firmeza, que não haverá vencedores num conflito global. E, ao mesmo tempo, tentar conquistar as simpatias do resto do mundo, arvorando-se em líder e arauto do comércio livre e no combate às alterações climáticas.
Será tudo isto retórica ou estaremos mesmo perante mais um caso daquilo que ficou conhecido como “armadilha de Tucídides” (a regra histórica de potências já estabelecidas e em ascensão entrarem em conflito, como Atenas e Esparta)? Embora a resposta seja difícil, convém ter em consideração, desde já, a contabilidade do investigador Graham Allison, da Universidade de Harvard, sobre o que aconteceu em 12 dos 16 casos em que a “armadilha de Tucídides” ocorreu nos últimos 500 anos: a guerra. O encontro entre Trump e Xi Jinping, em Mar-a-Lago, pode parecer distante e sem importância para nós – mas é o nosso futuro que estará em jogo.
(Artigo publicado na VISÃO 1257, de 6 de abril de 2017)