Esta semana, o País voltou ao trabalho sabendo que, afinal, tem a liderá-lo “um moderado social-democrata” – como o primeiro-ministro se autodefine. Mas que terá características muito próprias, pois, no dizer de Jorge Moreira da Silva, o vice-presidente do PSD que acompanhou a reunião socialista, o dito moderado lidera um partido que se “encostou mesmo aos partidos à sua esquerda”, sendo que consentiu que haja “preponderância por parte do BE na agenda, no discurso e até na abordagem à questão europeia”. Em que ficamos: um homem da social-democracia estabilizada e tranquila ou um ponta de lança do radicalismo de esquerda?
Costa teve o cuidado de manter a esquerda animada sem assustar os eleitores à direita. Se deixou claro que o PS pode apoiar Rui Moreira, o presidente da autarquia do Porto que também recebe as simpatias do CDS, foi igualmente capaz de tiradas radicais contra a direita europeia, nomeadamente quando reservou para os “socialistas e sociais-democratas” o papel de dizerem “basta desta deriva neoliberal”, assegurando que ou vinga a “Europa dos valores e do modelo social” ou estar-se-á “a fomentar o populismo, o nacionalismo e a extrema-direita”. O contraste acentua-se quando o moderado Costa adota uma atitude encrespada para bem alto denunciar que “quando mil seres humanos morrem afogados a tentar chegar à Europa, o que a Europa quer discutir é se Portugal excedeu em duas décimas o défice”, sendo que para Moreira da Silva falar das sanções a Portugal é apenas “lançar uma cortina de fumo”. Será pela veemência de frases como esta que Moreira da Silva lhe encontra uma “lógica de Syrização”?
António Costa, no passado fim de semana, mostrou porque foi capaz de transformar uma derrota eleitoral em vitória, porque construiu uma coligação impensável, porque tem feito com que ela funcione. Porque conseguiu que os partidos à sua esquerda estejam de bem consigo ao ponto do secretário-geral do PCP dizer que “a nova solução política”, embora insuficiente “valeu a pena” e é “o caminho justo”.
Tão amigos andam, que os socialistas que estiveram na Alameda D. Afonso Henriques, em 1975, já batem palmas ao secretário-geral comunista (ou terão sido os seus filhos?) – coisa inédita em conclave socialista e que nem 41 anos passados se pensava possível.
Quis deixar claro que não está preocupado com a oposição de direita. O elogio que fez ao ministro da Educação e a comparação entre os apoiantes da luta de colégios privados e os “barões da medicina” que em tempos afrontaram o Serviço Nacional de Saúde foi uma provocação que serviu para mostrar que não teme combates – e talvez para lançar um aviso: num futuro próximo, só haverá contratos com hospitais privados quando os públicos forem insuficientes. Seja como for, deixou a mensagem de que gosta de ministros que não cedem facilmente a pressões políticas.
Nem à pressão das estatísticas e dos números da Economia, nada favoráveis às suas previsões, mas que, com determinação, recusou sempre comentar. Com irritante otimismo, limitou-se a repetir que há estatísticas para todos os gostos, que os dados hoje menos bons podem ser melhores para a próxima e que “mesmo nestas previsões pessimistas, as mais pessimistas colocam sempre o défice abaixo dos 3%”. Com pretensioso otimismo recomendou que lhe sigam o seu estado de espírito.
Nada como acreditar que o melhor está para vir. Ele gosta e diz que isso faz bem à saúde. Mas há mais verdades. Como o do velho aforismo sobre o homem prevenido que vale por dois ou aquele que aconselha a só contar com o ovo depois de ele sair de certo sítio da galinha.