Ganharam os mesmos (embora tivesse havido outros vitoriosos), o Presidente da República voltará a convidar Passos Coelho a formar Governo, o PS mantém-se como grande partido da oposição e a Assembleia da República continua sem refletir a emergência de partidos que escapam ao leque tradicional, como aconteceu em tantos outros países do Norte ao Sul da Europa. Isto é o que fica; mas há muito que muda.
A primeira, e mais óbvia, das mudanças é o fim da maioria absoluta PSD/CDS. Desde logo porque a forma de atuar do Governo e do seu grupo parlamentar não vai poder ser a mesma. Episódios como o caso Relvas, Tecnoforma ou os esquecimentos de pagamentos à Segurança Social por Passos Coelho teriam tido outra dimensão se não houvesse uma maioria absoluta a apoiar o Executivo. As comissões de inquérito – a dos submarinos é um bom exemplo – ter-se-iam multiplicado, tido outro desenvolvimento e as respetivas conclusões seriam diferentes. Na nova Assembleia, o BE estará mais disponível para as comissões de inquérito e veremos se terá mais Marianas Mortáguas.
Isto para não falar das óbvias decisões políticas e económicas que teriam sido chumbadas ou chamadas ao Parlamento para discussão, desde o salário mínimo aos cortes, taxas e taxinhas. O apertar dos cintos sofrerá algum abrandamento – os amigos do crescimento vão conseguir, ou pelo menos tentar, garrotear alguma austeridade. A maioria vai ter de mostrar flexibilidade e capacidade de construir consensos. Não vai bastar-lhe dizer que quer, vai ter de os conseguir.
A bancada socialista também não vai parecer a mesma. António Costa, se ficar como deputado (ou seja: se não se confirmar a hipotética constituição de um Governo com o apoio da esquerda), vai fazer-se notado. Ele não é tribuno para passar despercebido. A dúvida é se resiste, e até quando, como secretário-geral. Só a ausência de uma clara alternativa interna e a proximidade das presidenciais podem evitar-lhe um destino igual ao que ele próprio traçou para António José Seguro, agora que já se sabe que procurará legitimação em eleições diretas para o cargo que ocupa.
Com ele, o debate parlamentar ganhará calor. E vai, certamente, ter de sentar-se à mesa para negociar mesmo o que disse ser inegociável. É certo que costuma dizer que “palavra dada é palavra honrada”, mas também já esclareceu que “o PS está preparado para assumir as suas responsabilidades com humildade e nas condições que os portugueses” definiram. O PS gosta de sentir-se partido charneira e foi para essa função que o Presidente da República o empurrou no discurso de terça-feira à noite. Vai ter oportunidade de o provar, pois chumbar agora algumas opções do Governo pode sair-lhe caro.
Mas o mais apaixonante vai ser assistir aos jogos políticos. Todos os partidos vão esticar a corda, mas nenhum quererá que parta antes de tempo – ou seja, antes de estar pronto para se submeter a eleições: a coligação provocará quando sentir fragilidade na esquerda; BE e PCP hão de picar, à vez ou em conjunto, o PS e tentar aliciar os mais radicais da bancada socialista; o grupo rosa vai gerir os conflitos com punhos de renda para não se deixar enredar numa “coligação negativa” nem cair na complacência. Tudo até que o dia chegue. A vida parlamentar voltará a ter agitação e a imprevisibilidade dos desfechos trará nova animação às bancadas.
E é bom que a animação volte a S. Bento. O desgaste dos chamados partidos do arco do poder é cada vez mais evidente. Apesar de manterem clara hegemonia, apenas conseguiram cerca 70% dos votos, o valor mais baixo desde 1975, à exceção do ano em que o PRD marcou as eleições. PSD, PS e CDS tinham, em 2002, conseguido 86,6% e desde aí não pararam de cair, como assinala um estudo de Pedro Magalhães.
A erosão é evidente e não se diga que o sinal mais claro foi a eleição do deputado do PAN. A abstenção também não engana. Voltou a subir em relação às legislativas anteriores, deitando por terra os foguetes lançados a meio da tarde, quando ainda se julgava que a ida às urnas tinha subido e surgiram as primeiras intervenções de políticos louvando o espírito cívico e o regresso do interesse dos portugueses pela política. Mais um prognóstico errado, daqueles que revelam precipitação dos especialistas e assim afastam adeptos.