Vinte e cinco minutos depois de terem sido anunciadas as projeções já Ana Gomes fazia uma declaração dizendo-se “muito chocada” e “abalada”, palavras que fazem recordar as de António Guterres numa reunião do secretariado socialista logo após a derrota de Jorge Sampaio em 1991, perante Cavaco Silva, concedendo-lhe um reforço da maioria absoluta que já trazia desde 1987. E invoca a reação de António Costa perante a “poucochinha” vitória de António José Seguro nas últimas europeias (quando teve percentagem idêntica – 31,49% contra 27,73 da coligação).
A expectativa, neste momento, antes de se saber quem fará governo, começa por ser sobre o que fará António Costa. Até porque da sua permanência à frente do PS depende a possibilidade, ainda que remota e um pouco contra a tradição (embora obviamente legítima), de vir a pretender constituir governo com o apoio do Bloco, do Livre, do PDR e até talvez da CDU. Obviamente que se Costa sair esta questão não se porá. O PS, com um secretário-geral demissionário, não liderará coisa nenhuma. Ana Gomes já deu o sinal de partida, veremos se alguém lhe pega na palavra. O futuro de Costa pode não depender dele e dificilmente ficará definido hoje.
Outro campo onde tudo mudou foi nas presidenciais. Com esta votação, dificilmente chegará o apoio que António Nóvoa esperava de António Costa. O líder socialista dificilmente arriscará formular apoios antes de o cenário político se esclarecer.
Do lado dos candidatos da coligação, também a vida mudou. Rui Rio já não tem como opção escolher a liderança partidária, agora que Passos será transportado aos ombros no mundo laranja. Marcelo Rebelo de Sousa – menos amado do que Rio por Passos Coelho – poderá ter a vida mais difícil, assim o líder social-democrata se atreva a tomar posição.
Nos últimos dias de campanha, António Costa deu claro sinal de estar a tentar uma outra estratégia. Depois de ter dado sinais de que seria inflexível em votar contra o Orçamento da coligação, e que não faria acordos à esquerda, moderou as certezas. Ao ponto de hoje, numa declaração de contenção inesperada, ter dito na chegada ao Hotel Altis que “o PS está preparado para assumir as suas responsabilidades com humildade e nas condições que os portugueses definirem”. Abria assim a porta à esquerda. Mas foi tarde.
Como tarde chegou o discurso de conteúdo claramente político do último dia de campanha, em contraponto com o debate mais tecnocrático em que se deixou enredar durante os dias de pré-campanha em torno do seu programa de governo.
O “colossal” reforço da votação Bloco de Esquerda pode, aliás, ser o sinal de que a estratégia de António Costa para as eleições falhou por completo: não conquistou o centro, nem se reforçou à esquerda. Uma análise que não lhe facilita a vida como secretário-geral.