Discutir hoje o efeito que a prisão domiciliária de Armando Vara pode ter no resultado das legislativas é o mesmo que tentar descobrir para onde vai um punhado de grãos de areia quando se aproxima uma tempestade no deserto.
Ao cuidado das autoridades – como costumava dizer-se – há uma longa lista de casos que podem tornar a próxima campanha não num palco de debate político mas num desfiar de acusações. Mais do que dos partidos, o que acontecer dependerá da evolução dos processos.
Do lado do PSD, além dos “vistos gold” e do possível envolvimento de um ex-ministro do atual Governo, o Ministério Público já mostrou interesse por duas destacadas personagens dos sociais-democratas do Norte e investiga eventuais irregularidades por eles cometidas enquanto autarcas, assim como por uma empresa que organizou campanhas eleitorais para candidatos “laranja”.
Para as bandas do PS, a situação também não pode deixar descansado o estado-maior. O processo Marquês, o de José Sócrates, e que passou a envolver também Armando Vara, não se sabe se atingirá mais alguma figura de destaque do PS. Mas está longe de ser o único caso que envolve ex-responsáveis socialistas. Nos últimos meses de 2012, no âmbito de uma investigação sobre as PPP, houve buscas nas casas e nos locais de trabalho de três ministros e dois secretários de Estado do último governo socialista – um processo que mostra bem como funciona a nossa Justiça, tendo em conta que dois anos e meio após as operações no terreno nada mais se soube, deixando os eleitores na ignorância e os envolvidos expostos a suspeições. E há o julgamento do Face Oculta, com os recursos a decorrer, e que também originou uma acusação por alegadas falsas declarações a um ex-ministro de Sócrates.
Com todos estes assuntos quentes sobre as mesas de juízes e procuradores, vamos ver o que nos reserva o calendário da Justiça. Se os dias agitados coincidirem com os das mais altas temperaturas na política, não faltarão acusações sobre as coincidências sempre apontadas (tal como o foram nos casos dos submarinos ou no do Freeport, que sempre poderão ressuscitar) entre os processos polémicos e os momentos politicamente mais ?(in)convenientes. Nada disto, porém, nos pode levar a acreditar que juízes ou magistrados se movem por interesses partidários. Seria reconhecer que o sistema bateu no fundo. Não é ingenuidade acreditar em coincidências; é, além do mais, uma necessidade imperiosa, pois o contrário seria aceitar uma promiscuidade impensável num ?Estado democrático.
A verdade, porém, é que será difícil impedir que regressem estas acusações aos tribunais e aos investigadores. Na sondagem Expresso/SIC da passada semana, à pergunta “acredita que Sócrates está preso por questões políticas”, 60,5 por cento dos inquiridos responderam “sim” ou “talvez”. Sobre os juízes, prevalecem os que têm uma opinião desfavorável (há mais 5,3% com opinião negativa do que com positiva) e os procuradores ainda são menos populares (6,7% de saldo negativo).
Nas próximas eleições, não serão apenas os políticos a serem avaliados.
Alívio – Segunda-feira de manhã, ao ouvir as primeiras notícias, lembrei-me de uma velha anedota: um homem, encontrado a dar marteladas na cabeça, é interpelado por outro que lhe pede uma justificação para tão insólita atitude. Justifica: “Nem imagina o alívio que sinto quando o martelo sobe.”
Assim vai a Europa. O martelo, por agora, subiu. Mas a próxima pancada vai encontrar uma cabeça mais fraca.
Aquilo a que assistimos não foi a um desenrolar de negociações sérias. Foi a um conjunto de manobras de bastidores, com documentos meio apócrifos a proporem as medidas mais radicais – como a da saída temporária da Grécia da Zona Euro – e a declarações contraditórias e insinuações feitas por supostamente respeitáveis ministros das Finanças e logo desmentidas por outros supostamente respeitáveis ministros – como as que denunciavam os países em maiores dificuldades como os principais inimigos da Grécia -, ou até aos que diziam coisas aos jornalistas estrangeiros e loisas aos do seu país, como fez o ministro das Finanças finlandês. Ou, ainda, a atuações a lembrarem as técnicas do polícia bom e do polícia mau, numa estratégia de extorquir o mais possível do interlocutor. Os líderes europeus resolveram uma situação, mas não ultrapassaram o problema.
Alívio a sério parece ser o acordo sobre o programa militar iraniano: aí tudo indica que o martelo não possa voltar a descer.