Pombal. 13 de dezembro de 1975. Eis o local e o dia em que se realizou a assembleia constituinte daquela que viria a ser hoje a Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Da ordem de trabalhos constava um ponto fundamental: “A fusão numa Associação única da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, com sede no Porto, e a Associação de Magistrados Portugueses, com sede em Lisboa”. Com efeito, os bons ventos de abril haviam aberto portas para a liberdade de movimentos associativos e sindicais, alargando tal direito a todos os magistrados e funcionários de justiça (artigo 7º do Decreto-Lei nº261/74, de 18 de junho), cabendo a Eduardo Augusto Arala Chaves a primeira das muitas presidências que se seguiram até aos dias de hoje.
Os 50 anos da ASJP ultrapassam, assim, a mera celebração cronológica, constituindo-se como um importante mote para a reflexão coletiva sobre o caminho percorrido, os valores defendidos e o futuro que se deseja construir. Com efeito, fruto de uma fusão visionária de estruturas que então emergiam num país em transformação, a ASJP tornou-se num ator relevante não apenas para a salvaguarda de interesses próprios dos seus associados, mas também para a defesa e a salvaguarda da nova arquitetura democrática portuguesa num trajeto de permanente consolidação do Estado de Direito.
A génese da ASJP remonta a um período em que Portugal se reinventava. O pós-25 de Abril trouxe a urgência de reconstruir instituições, redefinir equilíbrios e afirmar um modelo de justiça independente, acessível e alinhado com os princípios democráticos. Foi neste contexto fértil que, em Pombal, os juízes portugueses convergiram para unir esforços e criar uma entidade capaz de representar de forma coesa a magistratura judicial. A fusão que lhe deu origem não foi apenas uma forma de reunir sinergias, mas correspondeu à vontade comum de criar uma união mais forte e de construir uma justiça moderna, transparentemente articulada com as necessidades da sociedade.
Desde então, a ASJP assumiu múltiplos papéis, todos eles determinantes para o funcionamento democrático. Enquanto associação sindical, defendeu incansavelmente os direitos socioprofissionais dos juízes: condições de trabalho adequadas, independência judicial, proteção estatutária e uma política remuneratória justa. Então como agora, tais são premissas fundamentais para salvaguarda e garantia dos direitos de todos os cidadãos numa democracia moderna assente na separação de poderes e na segurança de que os casos concretos não são julgados tendo por base qualquer tipo de pressão ou condicionamento externo. Assim, a ação da ASJP em matérias estatutárias e na negociação com poderes executivos e legislativos contribuiu para o fortalecimento institucional da justiça, evitando fragilidades que poderiam comprometer a imparcialidade e o rigor exigidos a quem decide em nome da comunidade.
Mas a ASJP procurou sempre ir mais além. Ao longo das últimas cinco décadas, afirmou-se como agente público de reflexão, pensamento crítico e intervenção cívica. Participou ativamente nos grandes debates nacionais sobre o funcionamento dos tribunais, as alterações legislativas, a reforma do mapa judiciário, a política criminal, a gestão dos recursos do sistema de justiça e as garantias de acesso ao direito. Além disso, foi sempre ativa em áreas mais amplas, como a defesa dos direitos humanos, a transparência na administração pública ou a salvaguarda das liberdades fundamentais.
Em todos os momentos da sua atuação, foi sempre possível contar da parte da ASJP com a tomada de posição firme em defesa da independência dos tribunais, sem prejuízo da permanente cooperação institucional, no âmbito da qual contribuiu decisivamente para melhorar procedimentos, aproximar a justiça dos cidadãos e reforçar a confiança pública nos tribunais. De igual modo, destacam-se as suas múltiplas iniciativas de reflexão, de elaboração de propostas de reforma, de formação, debate e investigação, muitas delas realizadas com outros atores do sistema de justiça, incluindo também universidades e organizações não-governamentais, num esforço permanente para manter a magistratura atualizada e conectada com as transformações sociais.
Nada disto teria sido possível sem a dedicação e o sentido de serviço público dos diversos presidentes e demais membros das direções e órgãos sociais que, ao longo de meio século, conduziram a associação sindical. Todos eles, no seu tempo e com o seu estilo, enfrentaram desafios próprios: desde a consolidação democrática nos anos imediatamente posteriores ao 25 de Abril, às crises económicas que impuseram constrangimentos severos ao sistema de justiça, até aos debates contemporâneos sobre tecnologia, celeridade processual e novas formas de criminalidade. A todos eles — mulheres e homens que se disponibilizaram a liderar em nome dos Juízes, da Justiça Portuguesa, da Democracia e da Cidadania — é prestada neste momento uma merecida homenagem. Representam décadas de entrega, negociação, resiliência e visão estratégica, elevando o nome e o prestígio da única associação representativa da quase totalidade dos juízes portugueses, de todas as jurisdições e instâncias.
Também no plano internacional, a ASJP conquistou reconhecimento. Integrada em associações de magistrados a nível europeu e mundial, participou em direções, grupos de trabalho, comissões de estudo e diversas missões de cooperação judicial. Promoveu o diálogo com instituições congéneres, contribuiu para a troca de boas práticas e tem vindo sempre a defender os valores do Estado de Direito em países onde esses valores se encontram fragilizados. O seu envolvimento nas organizações internacionais do sector faz da ASJP uma embaixadora da justiça portuguesa, valorizando o país num domínio onde a credibilidade institucional é determinante.
A ligação da associação sindical à cidadania é outra das marcas indeléveis da sua história. Desde cedo, a ASJP compreendeu que o juiz não é uma figura distante, enclausurada no formalismo do tribunal, mas um garante ativo dos direitos fundamentais. Assim, marcou presença em campanhas de sensibilização, debates públicos, iniciativas de educação para a justiça e projetos dirigidos a jovens e ações de voluntariado ou de beneficência, apoiando causas nobres e justas. Esta dimensão pedagógica e cívica — tantas vezes invisível, mas absolutamente crucial — contribui para aproximar cidadãos e instituições, humanizar a justiça, combater preconceitos sobre o funcionamento judicial e promover uma cultura democrática assente no respeito pela lei e pela dignidade humana.
Comemorar 50 anos é, portanto, celebrar uma história rica, plena de desafios superados e de conquistas sólidas. É homenagear todos aqueles que contribuíram para construir uma associação sindical madura, respeitada e indispensável à vida democrática portuguesa. Mas é também projetar o futuro: um futuro em que a ASJP continuará comprometida com a defesa da independência judicial, da justiça, do Estado de Direito e dos direitos humanos; um futuro onde, tal como há meio século, permanecerá firme na missão de assegurar que a justiça portuguesa assente sempre nos valores da liberdade e se constitua com um serviço de todos e para todos num mundo sempre em mudança.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.