Uma das clivagens ideológicas mais profundas é aquela que diz respeito à importância que se dá à desigualdade entre as pessoas. Segunda as ideologias igualitárias, uma sociedade com grandes assimetrias entre os indivíduos é uma má sociedade e devem-se lançar políticas de combate às desigualdades. Segundo as teses mais libertárias, as desigualdades são parte intrínseca das sociedades e tentativas de as corrigir acabam por causar mais danos que benefícios.
Na atualidade, esta é, aliás, uma das grandes diferenças entre os partidos políticos, uns que encaram a desigualdade como um grande problema, outros como uma questão marginal (desde que haja crescimento económico, tudo fica bem).
Há também muitas análises científicas às questões das desigualdades, estudando os efeitos destas no crescimento económico, na felicidade, na violência ou na esperança média de vida. Tipicamente, fortes desigualdades estão associadas à deterioração daquilo que consideramos bom, como a felicidade, a paz ou a esperança média de vida.
Há até estudos que tentaram perceber quanta desigualdade seria a ideal. É o caso de um estudo conduzido por Michael Norton e Dan Ariely que, usando uma amostra representativa de cidadãos dos EUA, indagaram o que seria uma desigualdade desejável, e aquela que as pessoas acreditavam existir. Os resultados foram expressivos: as pessoas achavam aceitável que os 20% mais ricos detivessem cerca de 30% da riqueza nacional, enquanto acreditavam que, na realidade, esses mesmos 20% mais ricos detinham cerca de 60% da riqueza total. Ou seja, acreditavam que viviam numa sociedade muito mais desigual do que seria desejável. Mas há um dado adicional fundamental. Na realidade, os 20% mais ricos dos EUA não detêm 60% da riqueza nacional. Detêm 85%!
Outros estudos têm-nos indicado que os 1% mais ricos do mundo detêm cerca de 50% da riqueza mundial. É o equivalente a uma pessoa comer metade do bolo, enquanto a outra metade é dividia pelas restantes 99 pessoas.
Ou seja, quer do ponto de vista ideológico, quer científico, há muitas razões para dizermos que existe desigualdade a mais nos países e no mundo. Porém, desde os anos 80 do século XX, tem-se assistido a um agravar das desigualdades dentro dos países, nomeadamente nos EUA e no RU, mas também na China e na Índia. Ou seja, ao mesmo tempo que se detecta que há muita desigualdade, ela tem-se vindo a agravar.
Há razões de natureza tecnológica que têm alimentado alguma dessa desigualdade, mas a questão é eminentemente política: têm sido tomadas decisões políticas que têm contribuído para o agravar dessas desigualdades. E o curioso é que essas medidas têm merecido o apoio não só dos que estão no lado bom das desigualdades (os mais ricos), mas também dos que, estando no lado mau da desigualdade, ambicionam apenas conseguir passar para o lado bom, não se preocupando com o atenuar as desigualdades sistémicas.
Na prática, qualquer que seja o sistema económico vigente, a geografia ou a época, é a existência da desigualdade que faz com que uns sejam ricos e outros pobres, uns favorecidos e outros desfavorecidos. E, muitas pessoas, mesmo tendo nascido pobres, ou sendo prejudicadas pelas políticas que agravam as desigualdades, acabam por votar nos partidos que defendem essas políticas, na esperança de enriquecerem e passarem a beneficiar das vantagens de existirem essas desigualdades. Enquanto tanta gente se deixar enredar pelos encantos de estar no lado bom da desigualdade, não percebendo que as probabilidades de lá chegar são tão grandes como as de acertarem no Euromilhões, muito dificilmente construiremos sociedades menos desequilibradas.
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