E, ao fim de oito edições, aconteceu! Foi apresentado na Web Summit um projecto verdadeiramente revolucionário: o teletransporte. Só isso tornou possível que Marshmello, DJ norte-americano, tenha viajado de Las Vegas, onde actuou a 15 de Novembro, para o Parque das Nações, onde discursou a 15 de Novembro, tudo isto no espaço de uma hora. Esta, sim, é a inovação que todos aguardávamos com ansiedade. E é melhor sentarmo-nos, porque a espera vai continuar. O DJ que se apresentou em Lisboa era falso, os visitantes da Web Summit pagaram um balúrdio para entrar, e depois em vez de Smarties serviram-lhes Pintarolas. O pretenso DJ fez-se acompanhar por um, também falso, executivo da Adidas, que apresentou o adiVerse, um dispositivo implantado nos colaboradores da empresa, para controlar e rastrear o trabalho, e gerar uma moeda virtual, a adiCoin, que permitira que mesmo aqueles funcionários que não conseguem pagar uma refeição diária passassem a viver vidas gratificantes, sem dinheiro físico. No final, o artista cantou, com uma voz diferente da habitual, e todos os caramelos presentes aplaudiram, provando que qualquer esquema de escravatura contemporânea pode ser validado, desde que apresentado nos termos certos: criptomoeda, metaverso, pitch, e outros conceitos que nos soam sofisticados ainda que não saibamos bem o que são.
A própria Web Summit é um desses conceitos: todos sabemos que é uma cimeira tecnológica, mas ninguém sabe para que serve. Os anos vão passando e aquilo que acontece dentro da Web Summit permanece tão misterioso como o que se passa na casa de banho das mulheres. Só sabemos que há muita conversa e que demora uma eternidade. A Web Summit parece o cenário de uma megaprodução de Hollywood, em que metade dos figurantes tem de andar de um lado para o outro com o ar preocupado de quem tem uma startup e a outra metade tem de circular com o ar ocupado de quem é investidor. Depois há meia dúzia que de facto esbarram uns com os outros e se apaixonam, tornando-se assim os protagonistas desta comédia romântica patrocinada por Carlos Moedas. Os activistas Mike Bonanno e Andy Bichlbaum fizeram-se passar por famoso DJ e executivo da Adidas com o intuito de alertar para o desrespeito dos direitos laborais em grandes organizações, mas isto serve também para lembrar os perigos da Internet. Se a CEO de um gigantesco evento acreditou que estava a contratar um artista internacional, como é que uma senhora aposentada não se há-de apaixonar por um homem que diz ser ex-sargento na Síria e precisar urgentemente de cinco mil euros?! Em ambos os casos o esquema é igual: de um lado, uma pessoa que esconde a sua verdadeira identidade, do outro, alguém que quer muito apaixonar-se: seja por um militar enxuto, seja pela ideia de que tudo o que é digital é sinónimo de progresso. Não estranhem, portanto, se para o ano figurar na lista de oradores da Web Summit o príncipe da Nigéria, esse grande empreendedor, que já facturou biliões de dólares graças às novas tecnologias.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.