De entre as pequenas alegrias da vida, esta é, talvez, a maior: enfiar a mão no bolso de um casaco que já não usamos desde o último inverno e descobrir uma nota de dez euros. Melhor do que isto só pedirmos emprestado a Vítor Escária “o último do Ken Follett” e darmos com 1 500 paus no terceiro capítulo. Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Escária, desvaloriza os 75 800 euros encontrados no escritório do seu cliente, e o próprio cliente parece desvalorizar também, para os deixar assim, ao Deus dará, dentro de livros e caixas de vinho. Imaginem que António Costa, um dia, aflito por se ter esquecido de que ia receber amigos (dos poucos que lhe restam) em casa, levava uma das garrafas do seu chefe de gabinete. Em vez de um Aragonez com notas de madeira, saía-lhe um com notas de cem e duzentos, que nem o mais experiente escanção consegue dizer de onde vêm. O próprio Vítor Escária fez saber, através do seu representante, que não sabe bem porque é que escondeu as notas naquele sítio. Quem nunca guardou, distraidamente, coisas em sítios absurdos que atire a primeira pedra. Há dias, e depois de já ter revirado a casa toda, fui dar com as chaves do meu carro dentro do frigorífico. Não sei dizer quando nem como as pus lá, mas pus.
É, por isso, absolutamente natural e compreensível que Escária tenha passado uma tarde inteira a dissimular numerário dentro da colecção do Círculo de Leitores e já nem se lembre. É o clássico “vou guardar isto bem, para não perder”. Guardamos tão bem, mas tão bem, que nunca mais encontramos. Escária quis evitar o esconderijo cliché, debaixo do colchão, e optou por debaixo do nariz do patrão. O chefe de gabinete de Costa deve ter ficado aliviado quando soube que alguém tinha finalmente descoberto os setenta e cinco mil euros, que já tinha dado como perdidos. Tiago Rodrigues Bastos afirma que o dinheiro não foi depositado porque “não se proporcionou”. Finalmente alguém com uma explicação razoável para fugir ao fisco. Vou usar, daqui para a frente. “Meritíssimo Juiz, não paguei impostos porque não calhou… não estavam reunidas as condições ideais para poder fazê-lo.” Perante o montante descoberto, os jornalistas fizeram as mesmas perguntas que um cônjuge traído faz ao parceiro: depois do “porquê?”, o “há quanto tempo é que isto dura?”. O advogado também não sabe dizer. Só sabe que aquele dinheiro foi recebido antes de Escária trabalhar em São Bento, como é óbvio. Trouxe do emprego anterior um caixote de cartão com os seus pertences: um agrafador, uma moldura com a fotografia da família e dezenas de maços de notas. Tiago Rodrigues Bastos lembrou que antigamente se recebia assim, portanto o mais provável é estarmos a falar de maços de notas de cinco mil escudos. Se calhar, são mesadas que Vítor Escária juntou, enquanto era novo, e guardou carinhosamente dentro de livros da Enid Blyton. Não seria o primeiro socialista a ter avultadas quantias oferecidas pela mãe.
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