“Roger Schmidt suspenso preventivamente, fruto da expulsão em Vizela”, “Tiquinho Soares suspenso preventivamente por agressão ao árbitro no Botafogo-Flamengo”, duas notícias da última semana, que teriam sido facilmente evitadas se o treinador do Benfica e o ex-atleta do Porto pertencessem ao clero. Suspender preventivamente padres acusados de pedofilia parece estar fora de questão. Mesmo que houvesse VAR, para confirmar que as queixas dos menores são tão ou mais reais do que as reclamações dos adeptos do Vizela ou do árbitro brasileiro, o mais provável seria a conferência episcopal portuguesa lamentar a ausência de uma vigésima quinta câmara, que permitisse ter 110% de certeza antes de suspender alguém. As pessoas têm sido muito críticas da posição da Igreja (relativa às posições em que se puseram alguns membros da Igreja), mas temos de entender que a suspensão “é uma pena muito grave, a mais grave que a Santa Sé pode dar”, segundo o cardeal patriarca. Mais vale, portanto, deixar que algum dos acusados aplique a mais crianças um castigo ligeiramente pior do que os da Santa Sé… Não era de arriscar que um ou outro padre fosse injustamente para a gaveta por uns meses? Suspender um padre que venha a provar-se inocente é chato, mas em princípio resolve-se também com um pequeno memorial. Se serve para vítimas de abusos, serve para vítimas de engano. Paga o justo pelo pecador. Sempre detestei esta frase, porque costumava ser dita pelas professoras, instantes antes de castigarem a turma toda por uma asneira do Tó. Mas neste caso é a turma da Igreja que quer ser vista como um todo, quando tinha oportunidade de apontar o dedo (e a porta da rua) aos transgressores. Importa, claro, não tomar a parte pelo todo, mas se o todo não faz nada para se afastar das partes (péssima expressão neste contexto, bem sei), fica difícil não os confundir.
Manuel Clemente lembrou que “Portugal é um país de lei”, o que demonstra grande abertura à mudança, já que nas últimas décadas a Igreja se comportou como se não houvesse legislação relativa a abusos sexuais, e tivesse de ser tudo resolvido entre três pais-nossos para o padre e um “não contes nada ao teu pai” para a criança. Quando os bispos perceberem que não têm de confiar apenas na justiça divina para castigar os criminosos, tudo se resolverá. Para já, encontramo-nos nesta caricata situação: se o Carlitos for apanhado a roubar rebuçados da mochila do seu colega João, será chamado à directora e suspenso, para aprender que roubar é feio, enquanto ao catequista que deu os rebuçados ao João, em troca do seu silêncio, não acontecerá nada. Por enquanto, claro… há que aguardar pelos tribunais. Uma regra que os fiéis deviam seguir daqui em diante, quando forem confessar-se. “Dez ave-marias? Agora? Espere lá senhor padre, vou interpor recurso, que a minha prevaricação não merece ter a mesma pena que as dos seus colegas.” Se antes o grande desafio de um católico era acreditar em Deus, mesmo sem O ver, agora é acreditar nos padres, depois de tudo o que já vimos.
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