É sempre um triste espectáculo quando as pessoas perdem a cabeça, e a civilidade, no processo de divórcio. Lamentável, mas habitual: anos depois do copo de água, surge muitas vezes a sede de vingança. E o espanto dos amigos é o mesmo daqueles vizinhos que descobrem que lá no bairro existe um criminoso, “era um homem tão pacato”, “pareciam tão felizes”, nunca foram vistos a discutir e agora aqui estão, a trocar acusações feias, para quem quiser ouvir. A dizer que o outro nunca foi bom na cama, nem no jacuzzi.
“Nada mudou, a piscina, o jacuzzi, o ginásio, em termos tecnológicos, na cozinha…” disse, há dias, Cristiano Ronaldo, a respeito do seu futuro-ex-clube, Manchester United. Faz-me lembrar a desilusão que tive, quando aluguei uma casa de férias no Airbnb, no verão passado, e descobri, ao chegar lá, que as fotografias não correspondiam à realidade.
A relação entre o capitão da selecção portuguesa e o clube inglês já dava sinais de algum desgaste, e este parece ter sido o ponto final. Quando se perde o respeito pelo outro já não há volta a dar, e Cristiano deixou bem claro que não respeita o treinador Ten Hag, porque este não o respeita a ele (uma versão actualizada da velha questão “o ovo ou a galinha?”).
CR7 diz-se traído pelo United, o que não é de espantar, porque estes clubes de hoje em dia passam a vida a galar jogadores mais novos. É natural que isso afecte a auto-estima de qualquer homem, mesmo daqueles que têm níveis estratosféricos de auto-estima (ou sobretudo desses). Há quem pense que Cristiano não está bom da cabeça, mas o problema é claramente no sistema digestivo. Mais do que uma ligeira azia, muito natural quando se come coisas muito pesadas ou se fica muito tempo no banco, Ronaldo mostra que tem maus fígados. Também não se pode ser bom em tudo: já basta ser excelente com o pé direito e o pé esquerdo. É natural que haja um ou outro órgão a funcionar menos bem.
Cristiano está de coração partido e, nessas condições, já todos dissemos coisas das quais mais tarde nos arrependemos. Começamos a dizer mal do nosso ex-marido e, quando damos por nós, já estamos a destratar também os amigos dele, com quem chegámos a passar belos momentos. Neste caso, Gary Neville e Wayne Rooney entraram para a lista negra, por terem tomado o partido da antiga paixão de Ronaldo. Este diz que os ex-colegas precisam de o criticar para serem famosos, e acusa mesmo Rooney de ter inveja, não só por já não jogar ao mais alto nível, mas também por não ser tão bem-parecido.
Já em 2011, no final de um jogo do Real Madrid, Ronaldo afirmou que os adeptos rivais o assobiavam por ser rico, bonito e um grande jogador, e terem inveja. Anos mais tarde mostrou-se arrependido, e reconheceu que o disse pela frustração de não ter marcado nenhum golo (embora o Real tenha vencido). Portanto, agora é deixar passar uns meses e esperar que Cristiano caia em si. A outra hipótese é continuar em queda livre.
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