O livro de Fernando Lima, ex-assessor de Cavaco Silva, tem uma qualidade da qual poucas obras se podem gabar: o final, apesar de não ser surpreendente, é extremamente satisfatório. No fim, Cavaco abandona a presidência e vai para casa. Há muito tempo que não lia uma história com um final tão feliz. Sou capaz de me ter emocionado. Apesar disso, o leitor chega ao fim de Na Sombra da Presidência – relato de 10 anos em Belém com a sensação de que o livro é aquilo a que a moderna crítica literária costuma chamar “uma chatice do catano”. A obra começa com a frase “Este é o livro que não gostaria de ter escrito”, mas o autor disfarça bastante bem, uma vez que aproveita as 400 páginas seguintes para ajustes de contas que parecem dar-lhe bastante prazer.
O livro dedica-se sobretudo a registar e lamentar esta infeliz coincidência: desde o momento em que Lima foi afastado, a comunicação política de Cavaco descambou e o Presidente acabou em desgraça. De coração apertado, o autor vê-se forçado a citar opiniões de colunistas como Paulo Pinto Mascarenhas, que escrevia, em Janeiro de 2012: “Diz-se (…) que a culpa é de quem afastou Fernando Lima do cargo de responsável pela assessoria para a Comunicação Social de Belém” (p. 312). Ou José Eduardo Moniz, que contava: “Já aparece gente a dizer que Fernando Lima lhe faz muita falta…” (p. 312). Ou Rui Calafate, cuja opinião Lima foi recolher a um blogue: “(…) o inquilino de Belém há muito que perdeu o contacto com a realidade (…). Esse divórcio e essa perda de controlo foram visíveis a partir do momento em que Cavaco Silva deixou cair Fernando Lima” (p. 369). Lima ainda comenta, a medo que são “gratificantes essas referências pessoais (…)”, mas percebe-se que está devastado, o pobre.
O facto de a sua extraordinária competência fazer dele um elemento sem o qual Cavaco Silva é incapaz de viver não é o único drama que Fernando Lima carrega. A outra grande ideia do livro é esta: todos os protagonistas da vida política portuguesa são embusteiros sem escrúpulos, com uma única excepção, que é Fernando Lima. Parece que há maroscas pouco claras e se joga sujo, nisto da luta política. Confesso que me sobressaltei. O melhor exemplo de trapaça é o chamado “caso das escutas”. Lima desconfia que todas as suas comunicações estavam sob vigilância por ordem de José Sócrates. Não tenho dificuldade em acreditar nesta suspeita, até porque o tempo se tem encarregado de demonstrar que boa parte das suspeitas sobre José Sócrates costuma confirmar-se. Mas o que Lima relata só pode ser descrito através da expressão “espionagem das barracas”. Este é um livro que parece ter sido escrito por Vítor Le Carré, o primo tantã de John Le Carré. Diz assim: “Na tarde de 4 de Setembro de 2010, recebi um SMS de um amigo a alertar-me de que estava a ser alvo de um ataque desenfreado na caixa de comentários da crónica de Ferreira Fernandes no Diário de Notícias” (p. 215). Segundo Lima, os espiões tinham tido acesso a mensagens do seu telemóvel e aproveitado essa informação para o difamar. Onde? Na caixa de comentários de um jornal. Os espiões não foram meigos. Escolheram cruelmente um palco bem visível e onde as intervenções têm, em geral, uma credibilidade acima de qualquer suspeita. Talvez um dia se assista a uma troca de opiniões descabelada numa caixa de comentários, mas até isso acontecer aquele é o melhor local para levar a cabo uma operação que tenha como objectivo denegrir a imagem do assessor de um Chefe de Estado. Dizem–me que o próximo filme do 007 decorre integralmente na caixa de comentários de uma crónica de Ferreira Fernandes. Daniel Craig salva o planeta desmontando os argumentos de uma quadrilha de comentadores com as siglas “WTF” e “LOL”.