Toda a piada é uma minúscula revolução”, disse George Orwell. A palavra-chave desta frase é “minúscula”. Pertenço ao grupo de pessoas que desconfiam do poder do humor. Somos poucos mas bons. Na altura do referendo sobre o aborto, um analista disse que a rábula sobre a posição do professor Marcelo, feita pelos Gato Fedorento (que é feito desses rapazes? Eram muito engraçados, especialmente o mais alto), tinha sido decisiva no resultado da votação. Esse analista era Miguel Sousa Tavares, que é famoso por não permitir que a ausência absoluta de provas o impeça de tirar conclusões definitivas. De facto, nenhum estudo indicava a formidável influência daquela peça humorística no referendo. Durante semanas houve debates, tempos de antena, artigos de jornal, comícios. E, no entanto, havia gente disposta a acreditar que uma rábula de um minuto e 55 segundos tinha feito a diferença. Costuma dizer-se que alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias, mas o mito do poder do humor costuma dispensá-las. Pessoalmente, não gostaria de viver num país cujos cidadãos decidem o seu sentido de voto por causa de uma rábula humorística. E, felizmente, tenho a certeza de que esse país não existe.
Nem todos os humoristas pensam como eu. No livro Why Stand-Up Matters, a autora recolhe o seguinte testemunho do comediante britânico Mark Thomas: “Há pessoas que dizem ‘ah, a comédia não tem poder para mudar nada’. Mas eu – e sei que isto soa terrivelmente a fanfarronice – penso: ‘Bom, a tua comédia não tem’”. E avançava com um exemplo: por causa de um dos seus programas, a Nestlé tinha sido obrigada a mudar a embalagem de alguns produtos. Estas declarações ocorreram-me na semana passada, quando recordava o seguinte historial breve: primeiro, há muitos anos, um episódio dos Simpsons mostrava uns Estados Unidos do futuro em que tudo era mau. O Presidente dessa América distópica era Donald Trump. Depois, no mundo real, Trump candidatou-se mesmo à presidência. O sítio humorístico Funny or Die dedicou-lhe um filme satírico com o actor Johnny Depp no papel principal. Em Fevereiro, John Oliver fez um programa sobre Trump que, só no YouTube, teve mais de 25 milhões de visualizações. A 4 de Março, Louie CK escreveu um texto em que comparava Trump a Hitler. A 6 de Março, o Saturday Night Live exibiu uma rábula sobre os apoiantes de Trump. São pessoas a executar tarefas aparentemente normais: uma senhora passa a ferro, um rapaz carrega lenha, um homem fala junto de uma lareira. Depois o plano abre e percebemos que a senhora está a passar a ferro uma túnica do Ku Klux Klan, o rapaz usa a lenha para atear fogo a uma cruz e o homem está a lançar livros para a lareira. Entretanto, o próprio Trump já tinha ido ao programa e, durante o seu monólogo de abertura, foi interrompido por Larry David, que lhe chamou racista. A 10 de Março, Sarah Silverman apareceu vestida de Adolf Hitler no programa de Conan O’Brien, que a entrevistou como se ela fosse o ditador alemão. “Hitler” disse, mais ou menos, que concordava com 90% do que Trump dizia, mas achava-o um bocadinho radical. Na New Yorker dessa semana, um cartoon mostrava uma escavadora a fazer obras no inferno, para incluir um novo círculo de sofrimento, a acrescentar aos outros nove: o círculo Trump. Nos programas de Bill Maher, Trevor Noah, Seth Meyers, Jimmy Kimmel e Stephen Colbert, raras foram as noites em que Trump não foi satirizado. No fim, Donald Trump venceu as primárias republicanas batendo o recorde de votos obtidos por um candidato em toda a história daquelas eleições. Parece evidente que os humoristas americanos precisam da ajuda de Mark Thomas.