É um espaço interior. Feio. Lado a lado, os nossos corpos ocupam metade da fotografia, encaixados no canto inferior direito. Enorme, o do Shane, tem quase o dobro da largura do meu, pequeno, estreito, protegido no dele, sem o abraçar. O braço direito do Shane, por cima do meu ombro, cria a concha que a curvatura do esquerdo prolonga, vertical, até a sua mão desaparecer no bolso das calças, perto da base da fotografia que nos corta as pernas. Inteiro, só o homenzinho calvo que irá passar nas nossas costas, ao fundo. O seu movimento apressado e o pouco alcance do flash esborratam-no, assim como a alguém que o segue e de quem quase nada se vê. Tudo é cinza, um cinza amarelo-esverdeado lá atrás, azul-rosado em nós. Talvez seja da artificialidade metálica da luz, há quadrados fluorescentes no teto, que a perspetiva transforma em losangos. E avisos e indicações e publicidades colados onde as paredes e os pilares o permitem. Entre a minha cabeça e a do Shane, um retângulo vermelho com o sinal da proibição de fumar. O pedaço de um letreiro esclarece que estamos no aeroporto: uma seta, o desenho de um avião a levantar voo e as palavras Terminal Partidas Departures. Artificiais são também os sorrisos esforçados que ensaiamos. Temos os olhos demasiado abertos. Desmedidamente espantados. Tudo está bastante desfocado. Até nós.
O meu cabelo pintado de preto-azeviche envelhece-me. A camisa às riscas está gasta pelo tempo. Lembro-me de estar a vestir-me em casa para a viagem. De pôr a carteira a tiracolo antes de bater com a porta. Ainda a tenho assim na fotografia. Nas minhas costas, a mochila do computador. O Shane nada carrega. Sou eu que me vou embora. Deixo-o.