Ficava tão contente quando ia à Feira do Livro. Um rebuliço diferente do da feira da Praça de Touros de Cascais, aos domingos, onde havia de tudo nos gritos dos vendedores, É prò menino e prà menina, colares a imitar o ouro, Ó rica santa, não me compra nada, sapatilhas Afidas, toalhas de veludo para enxugar jovens casadoiras, Freguesa, compre hoje e pague agora, que a vida está difícil para todos, Ninguém, ninguém poderá mudar o mundo, ninguém, ninguém é mais forte que o amor, ninguém, ninguém, ninguém
Metia-me no comboio e, para poupar dinheiro, ia a pé até ao Parque Eduardo VII. Ao avistar as bancas enfileiradas em alamedas revia mentalmente a lista do que queria comprar, depois conformava-me, esticando o magro orçamento nos saldos, houve o ano em que comprei os livros do Coetzee a míseros tostões, o ano dos romances da Duras e da Yourcenar, de vez em quando os altifalantes anunciavam livros do dia e sessões de autógrafos, eu gostava de espreitar o ritual do leitor e do autor juntos, fora das palavras escritas. Lembro-me de me comover com os leitores enfileirados para mesinhas sob guarda-sóis, onde, por detrás de pilhas de livros, o escritor encarnava triunfal o seu corpo, a Agustina de Os Meninos de Ouro, o Saramago do Memorial do Convento, o Lobo Antunes da Explicação dos Pássaros, a Lídia Jorge de O Cais das Merendas. O meu passeio pela feira terminava na roulotte das farturas. Com as mãos engorduradas, sentava-me num banco de jardim, o rio de esguelha, os sacos cheios de livros ao meu lado. O mundo da edição, e tudo o que lhe dizia respeito, era-me completamente desconhecido.