Nós somos o Paradoxo de Teseu. Plutarco propôs a seguinte ideia: Teseu embarca numa viagem longa, a bordo do navio leva um arsenal de reserva com todas as peças do navio, que vai substituindo ao longo da viagem. A certa altura, as peças já foram substituídas na sua totalidade. O navio ainda é o mesmo? As nossas células renovam-se, são substituídas por peças sobressalentes também, mais ou menos de sete em sete anos somos feitos de peças novas. A pele é outra, as unhas são outras, os cabelos são outros, o tempo vai aviltando as arestas do Navio de Teseu que nós somos, por dentro e por fora, e as peças soltas vão acumulando pó que alguém há de espanar, aspirar, espirrar. O mesmo se passa com todo aquele amontoado de opiniões, crenças, gostos, interesses e tantas outras certezas que vamos cristalizando ao longo do tempo. Navio de Teseu que somos, essas cristalizações vão-se derretendo na calda do tempo e da vida. À medida da viagem, vamos percebendo a inutilidade de julgar a nossa alma como calhau que se conhece a si próprio. As opiniões vão-se substituindo por outras, as crenças vão-se desatarraxando, as ideias vão-se desenroscando do convés da alma e no seu lugar entram outras. Viver nesse estado de permanente impermanência, viver na sabedoria da ignorância, num estado de alerta fluido que se permite aos ventos da viagem, aprender desaprendendo, essa é a única sabedoria firme que importa levar na bagagem.
Opinar com veemência é atentar contra esta fluidez evidente. Uma crença profunda aprofunda uma profunda descrença na vida. Ou, como vem no Livro do Desassossego, ter opiniões é a melhor prova da incapacidade de as ter.