Os gostos e interesses de cada um são, muitas vezes, incompreensíveis para os demais, ao ponto de nos causar repulsa o que para outrem é motivo de deleite. Ananás na pizza é um bom exemplo. Usar corsários, outro. E nas últimas semanas, aqui por casa, ter uma obsessão por veículos da construção civil, é razão de grandes desencontros.
O meu bebé começou a interessar-se por carrinhas de caixa aberta, ambulâncias e carros de bombeiros, mas encontrou o verdadeiro encantamento nas gruas, escavadoras e betoneiras. Nas viagens de carro aponta para todas as obras do caminho, encontrando gruas e andaimes onde ninguém repara, e espetando o indicador em direção ao estaleiro, com uma avidez turística.
Nos passeios de carrinho, exige ficar a observar as operações. Passamos tempos infinitos a ver a escavadora a encher de entulho o camião de carga, com o seu braço mecânico de mão em concha, subindo e descendo, até o serviço estar completo. Temos de ficar a observar as rotações da betoneira, até o cimento ficar no ponto e começar a sua transferência para o carrinho de mão. Ficamos ali, parados, como fiscais das obras, de queixo erguido a olhar para a grua, lá no alto, enquanto a chinfrineira metálica dos trabalhos acrescenta dramatismo à cena, deixando o petiz de olhos arregalados.
Nas obras das redondezas, os trabalhadores já nos cumprimentam. Somos os mirones habitués, que vão passando para acompanhar o avanço da empreitada. A criança com grande interesse e a mãe bocejando de tédio, tentando redirecionar a atenção para outros fascínios, a ver se não ficamos ali a tarde toda.
Quando a máquina faz pausa para almoço, temos birra inconformada, fica inconsolável perante o flagelo do camião-grua que parou de repente, e irritado com a explicação de que o senhor da máquina também precisa de comer e dormir a sesta.
Ora, estando perante um fã de maquinarias da construção civil, tornou–se inevitável não alimentar o fascínio de alguma forma. Primeiro como recurso em momentos de extrema necessidade, mostrando-lhe vídeos de máquinas em funcionamento, para ganhar alguns minutos de sossego. Oferecendo-lhe uma pequena betoneira de madeira e uma escavadora da Lego, que se tornou inseparável ao ponto passar a ser companhia na hora de dormir. E, por fim, comprando o livro A Escavadora e a Flor de Joseph Kuefler, favorito instantâneo, que tem como personagens uma grua, um bulldozer e uma escavadora, que se torna a heroína da trama.
Devo dizer que procurar caterpillar no YouTube algumas vezes, acabou por deixar o algoritmo meio zonzo e deixar-me a mim muito surpreendida com a quantidade de conteúdo disponível para admiradores deste tipo de tecnologia. A verdade é que já consigo desenhar estaleiros de obra a lápis de cor, diferenciando bem, com os meus garranchos, o design de cada veículo específico, ao ponto de satisfazer o meu exigente cliente. E até começo a perceber que a delicadeza dos movimentos daquelas bestas metálicas consegue ser fascinante. A sua destreza e a precisão nos gestos é, de facto, uma maravilha da técnica. Sendo possível, portanto, conceber que, para um pequeno rapaz, aquelas coreografias pesadas e ruidosas podem facilmente equivaler-se a uma marcha de dinossauros, ou a um levantamento de gigantes.
Em suma, se não podes vencer um interesse que nem sequer percebes, junta-te a ele porque o amor é, muitas vezes, isso de acompanhar o outro precisamente nas coisas que não conseguimos acompanhar. Ou seja, até que cesse o fascínio, os trabalhadores continuarão a sorrir para mim com um olhar solidário, enquanto cumprimentam o pequeno fiscal que chegou para a visita. E eu continuarei a contrariar o automatismo, de que padecem algumas mães, de achar que por eu não gostar de uma coisa ele também não deve gostar, porque, devo dizer, isto das gruas, das escavadoras e das betoneiras tem sido uma grande aprendizagem.
(Crónica publicada na VISÃO 1449 de 10 de dezembro)