Os sinais indicam que o ciclo ascendente do mercado imobiliário português chegou a um fim, mas apesar de se saber que os ciclos são geralmente lentos e historicamente previsíveis, este chegou ao fim de uma forma atípica.
Afinal, se analisarmos de forma rápida, o fenómeno da escalada da inflação surge como consequência da pandemia e, quando se pensava em alívio, surge o cenário de guerra que agora alastra para além da Ucrânia, com a Palestina, e infelizmente com um novo potencial conflito no Mar Vermelho.
A União Europeia tem vindo a controlar o aumento da inflação com a subida de taxas de juro para desincentivar o consumo, no entanto, convém referir que a subida da inflação e o aumento consequente das taxas de juro aconteceram a uma velocidade relativamente rápida quando se compara com os ciclos típicos de lentidão do mercado imobiliário.
Perante isto, os portugueses, que têm cada vez menos poder de compra na generalidade e possibilidades cada vez mais escassas para compra de habitação própria com recurso a financiamento, veem-se obrigados a adiar as suas decisões de compra ou mesmo de venda, pensando muito bem antes de avançar.
Pela lógica, estaríamos num cenário em que os preços das habitações tendem a baixar. Contudo, nos últimos dez anos de ciclo imobiliário expansionista, construiu-se muito pouco e, como a oferta no mercado imobiliário demora tempo para ser produzida, ou seja, para estar disponível, estamos agora numa situação de escassez de imóveis que influencia mantendo os preços em alta; perante a falta de incentivo, o mercado retraí e acontecem menos transações e esta é a pior notícia para a mediação imobiliária.
A mediação imobiliária não vive dos valores em alta ou em baixa, vive única e exclusivamente do número saudável de transações, isto porque só fatura, ou seja, só recebe a sua comissão quando um dos seus clientes (vendedor ou comprador) transaciona um imóvel seja por uma operação de venda, de compra ou de arrendamento, este último geralmente com muito menos peso no negócio de um agente tradicional.
Apesar de haver alguma esperança no estímulo do controlo da inflação para potenciar uma nova baixa de juros que permita capacidade de aquisição por parte da procura, parece-me a mim que este terceiro eventual conflito veio afastar, pelo menos temporariamente, esta hipótese. Mesmo com as previsões mais otimistas de baixa de taxas de juro lá para setembro deste ano, cada vez mais a meta se afasta com algum ceticismo da maioria dos analistas. Portanto, a melhor coisa que poderia acontecer para que o mercado transacional não entrasse num período de estagnação e continuasse animado seria a baixa de preço, e é por isso que muitas vezes não entendo porque é que alguns players da mediação ficam muito contentes quando verificam que os preços não vão baixar.
Num país onde quem compra imóveis são maioritariamente portugueses (quase 90%, e grande parte recorre a crédito) e mais, onde a atualização de ordenados não acompanha a escalada de preços e custos com a habitação, a baixa de preços de forma global (convém referir que o mercado imobiliário é local) e consistente, só será possível através de um aumento considerável de oferta, algo difícil no imediato e que já se verificou que, pela lentidão do processo produtivo do imobiliário, não acontecerá tão cedo. Mas não só – também pela ausência de promotores dispostos ao risco de rentabilidades reduzidas. Para ajudar, ou melhor, não ajudar, temos ainda a figura do estado e a sua inoperância na criação de incentivos sérios para construção e arrendamento. De referir que nem o mal-parado, ou seja, o crédito em incumprimento de hipotecas está a ajudar (e felizmente), o que faria com que, de forma rápida, entrasse no mercado produto executado pelos bancos para baixar preço, tal como aconteceu no sub-prime entre os anos de 2008 até 2013.
Repito, felizmente e neste momento, o crédito mal parado de financiamentos para habitação está em mínimos históricos e por isso também não se prevê que no curto prazo isso venha a provocar qualquer alteração.
A mediação imobiliária está prestes a enfrentar um dos períodos mais atípicos de sempre, onde quem vende quer um valor alto, até porque para comprar de seguida precisa desse dinheiro, e quem compra não tem condições financeiras para o fazer, adiando-se assim muitas transações para mais tarde.
Por fim, e para não ser fatalista, quero concluir com o seguinte: a habitação é uma necessidade primária, as pessoas que necessitam mesmo de vender e comprar terão de o fazer procurando soluções possíveis, entre elas mudança de zona na tentativa de comprar a um valor que podem pagar, ou ainda, o arrendamento que, infelizmente, e por falta de políticas estruturais e sérias de incentivo, sofrem do mesmo problema que parece estar a tornar-se mais comum… a escassez.
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