O Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, prevê a substituição de um terço dos Procuradores Europeus de três em três anos.
Como parte do regime transitório de nomeação para o primeiro mandato a seguir à criação da Procuradoria Europeia, os procuradores europeus de um terço dos Estados-Membros, designados por sorteio, exercerão um mandato de três anos, não renovável. São eles os procuradores da Grécia, da Espanha, da Itália, de Chipre, da Lituânia, dos Países Baixos, da Áustria e de Portugal.
Uma vez que o Procurador Europeu designado por Portugal é um dos que tem o seu mandato limitado a três anos e que, por conseguinte, o mesmo termina em julho de 2023, está em curso o processo de seleção do que lhe vai suceder.
Ora, o artigo 16º do aludido Regulamento (UE) prevê que cada Estado-Membro designe três candidatos para o cargo de Procurador Europeu de entre candidatos que: a) sejam membros no ativo dos serviços do ministério público ou da magistratura judicial do Estado-Membro pertinente; b) ofereçam todas as garantias de independência; e c) possuam as habilitações necessárias para serem nomeados para o exercício das mais altas funções judiciais ou de ministério público nos seus Estados-Membros e tenham experiência prática relevante dos sistemas jurídicos nacionais, de investigações financeiras e de cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Sucede que em Portugal aconteceu algo inusitado: apenas existe atualmente um candidato ao cargo.
A Procuradoria Europeia constitui um grande avanço no sentido da harmonização da intervenção penal na UE, criando um sistema complexo, híbrido, de multicamadas, onde se desenha um sistema de competências partilhadas entre a Procuradoria Europeia e as autoridades nacionais no exercício da ação penal dos crimes que lesem os interesses financeiros da União Europeia
O cargo de Procurador Europeu é, pois, um lugar prestigiante, bem remunerado e atrativo, para qualquer magistrado do Ministério Público.
Questionamo-nos, então, das razões pelas quais não existem candidatos que preencham, pelo menos, o número de três exigido pelo Regulamento.
Um dos fatores inibidores à candidatura é de natureza política e prende-se com as tropelias que acompanharam o anterior processo de seleção do Procurador Europeu, levando a que muitos magistrados deixem de concorrer por uma desconfiança fundada de que já existe um eleito à partida e que, portanto, não vale a pena a sujeição ao processo de seleção.
Outro dos fatores poderá ter a ver com a falta de confiança no próprio Conselho Superior do Ministério Público quanto à transparência do processo decisório que leva à seleção dos três candidatos a indicar por aquele órgão.
Na nossa perspetiva, a falta de candidatos é um fator extremamente preocupante, a exigir reflexão.
Para impedir que se volte a repetir a situação em que nos encontramos, será importante, por um lado, afastar qualquer intervenção política no processo de seleção e, por outro lado, que o próprio Conselho Superior do Ministério Público dê, nas suas decisões, garantias de total transparência e imparcialidade no processo de escolha e indicação dos três candidatos.
Importa, para além disso, que a Procuradoria-Geral da República divulgue de forma adequada o concurso para a seleção dos candidatos a Procurador Europeu e preste o auxílio e apoio necessário ao processo de candidatura e à formalização da mesma.
Portugal não vai conseguir apresentar, em tempo, os três candidatos exigidos pelo Regulamento (UE), o que constitui, no mínimo, um fator de embaraço perante os demais Estados-Membros, podendo revelar uma falta de empenho e interesse no projeto da Procuradoria Europeia.
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