Direito de Resposta de Mário Nogueira: A propósito de mirtilos e outros frutos
Em 2019, quando foi eleito secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira afirmou que esse seria o seu último mandato. Embora desta vez venha com dois secretários-gerais adjuntos, José Feliciano Costa, do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa e Francisco Gonçalves, do Sindicato dos Professores do Norte – facto que revela alguma unidade e consenso dentro dos sindicatos de uma das classes profissionais mais fragmentadas do país e a carecer urgentemente de remendo – talvez fosse tempo de renovar os representantes dos professores como forma de fazer frente à descredibilização destes juntos dos seus pares e da profissão docente juntos dos sucessivos governos e da opinião pública em geral.
Foi com algum espanto e enorme deleite que vimos, há algumas semanas, Mário Nogueira, partir uns quantos pratos durante uma conferência de imprensa, numa mais desesperada do que original tentativa de exemplificar a falta de progressão da carreira dos professores e as dificuldades que estes enfrentam na sua profissão. A parte que, no entanto, maior impacto provocou, foi aquele em que o senhor Mário Nogueira utiliza uma caixa de mirtilos para mostrar as desigualdades e os anos de serviço que não foram contabilizados na carreira dos professores, mais especificamente o momento em que um desses mirtilos foi engolido pelo mesmo. Não assistimos apenas a um momento televisivo totalmente Imperdível. Foi sobretudo a constatação do desgoverno feito com a profissão docente e veio reavivar a revolta adormecida dos professores que não perdoam nem esquecem o tempo de serviço que lhes foi vilmente apagado. Mas não só. No meu caso particular, o efeito foi quase perverso, provocando uma repulsa generalizada pela ineficaz resposta dos sindicatos dos professores às reais problemáticas do ensino em Portugal. Sendo inegável que Mário Nogueira teve de enfrentar verdadeiros muros como Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada, Nuno Crato, Margarida Mano ou Tiago Brandão Rodrigues, espera-se agora que o atual ministro da Educação, João da Costa, consiga ter inteligência suficiente para ir além da política e chegar ao ensino e às suas necessidades. Por outro lado, os profissionais do ensino no terreno tendem a acreditar que quem esteve nas escolas terá uma maior sensibilidade e sensatez para compreender quais são os problemas reais dos professores e as melhores formas de os atenuar. O facto de António Leite, o atual Secretário de Estado da Educação, ser professor de carreira no Agrupamento de Escolas Clara Resende, no Porto, poderá contribuir com uma pequena réstia de esperança. Talvez, por isso mesmo, fosse também altura de Mário Nogueira regressar às escolas e ao ensino, profissão que abandonou há demasiados anos para conhecer exatamente as suas idiossincrasias.
As reuniões já marcadas para os dias 11 e 18 de maio entre o Ministério da Educação e os (demasiados) sindicatos de professores apresentam na sua ordem de trabalhos problemáticas atuais como a falta de professores nas escolas, a revisão da habilitação para a docência, as alterações ao modelo de recrutamento de docentes e mudanças na mobilidade por doença mas não se detetam, nesta mesma agenda, qualquer prioridade em revalorizar a carreira docente, devolver ao professor o seu papel central na sociedade ou, não menos importante, devolver aos docentes o tempo de serviço que lhes foi vilmente subtraído.
Em pleno terceiro período e a aproximadamente duas a três semanas do final deste ano letivo, assistimos nas escolas aos mesmos problemas de sempre (a precariedade na carreira, o envelhecimento, as condições de trabalho) a que se juntam outros muito graves como a falta de professores e o cansaço generalizado, embora continuemos todos a empurrar o barco da ilusão de forma a fazê-lo chegar ao cais. Deixo como exemplo desta perseverança docente o relato da professora Dora Pita Neves – professora, esposa, mãe, filha que, entre os seus muitos papéis, acompanhou os seus alunos para fora de Portugal num dos muitos projetos extracurriculares que acontecem nas nossas escolas e que tanto exigem de quem neles participa por toda a responsabilidade que implicam:
De 30 de abril a 6 de maio tive uma das minhas melhores experiências como professora, a primeira deslocação através do projeto GREEN, um projeto ERASMUS +, que envolve escolas de cinco países, Portugal, Espanha, Alemanha, Grécia e Irlanda. Na preparação dessa deslocação fizemos várias reuniões online e em todas elas tive a mesma sensação. Eu chegava sempre a correr para estar a horas. As reuniões eram às 7 CET, o que para nós significa 6 da tarde e a essa hora eu ainda não estava em casa. Logo, eu estava sempre a chegar. O mesmo não se passava do outro lado. Já estavam todos em casa e alguns há algum tempo. Alguns até já tinham começado a fazer o jantar e outros já se tinham debruçado bem sobre vários assuntos. Pensei sempre que naquele dia da semana eu era a que chegava mais tarde. Acontece que, só na deslocação a Barcelona, percebi que afinal os colegas catalães saiam todos os dias às 14 horas. E as colegas gregas também. E as irlandesas dependia dos dias e os alemães, em média, sempre antes das 17h, em casa. E pensei. O que se passa nas escolas em Portugal? Em que não pensa o nosso ME quando emana diretrizes avulso para as escolas?
Conversámos muito sobre isso. Para as gregas era impossível perceberem. Mas como é possível? Comparámos número de disciplinas. Comparámos carga horária das disciplinas, por ano, por ciclo. E sim há diferenças. Diferenças que permitem que na Grécia e em Espanha, pelo menos em algumas escolas, pais e professores consigam chegar mais cedo a casa do que noutros países. Faz diferença? Faz. Faz toda a diferença.
Sim, faz toda a diferença. Já há muito que é tempo de ser tempo de fazer a diferença para os professores!
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