ESTIGMA, na sua definição clássica, significa uma marca, um sinal, uma cicatriz presente no corpo de certas pessoas e que as distingue negativamente em relação a todas as outras. Ainda considerando a definição clássica, esta marca ou sinal (estigma) é deliberada e intencionalmente imposta a alguém por ter a infelicidade de apresentar alguma característica indigna, desonrosa ou mal reputada. No passado os escravos eram marcados por um ferrete e num passado bem mais recente, todos conhecemos a abjecta história do ferrete no holocausto Judaico.
Do significado de sinal corporal, estigma é hoje mais do que tudo, um preconceito contra alguém e sobretudo contra um grupo particular de pessoas. É o estigma étnico inadequadamente dito racial, o estigma de orientação sexual (homossexuais), o estigma social, o estigma religioso, o estigma cultural e outros bem mais subtis como o estigma sobre os habitantes do subúrbio, etc.
Parece haver no ser humano uma necessidade de distinguir a diferença na afirmação identitária individual e grupal e muitas vezes essa distinção (nós-outros) faz-se pela depreciação e preconceito.
A doença mental persiste ainda como uma marca desonrosa para quem tem a infelicidade dela sofrer.
Na minha experiência clínica como psiquiatra esta marca estigmatizante tem duas razões fundamentais:
- O doente mental é perigoso representando o mal.
- O doente mental é fraco.
Por exemplo, uma pessoa com doença mental psicótica, em agitação, desorganizada e eventualmente hostil ou hetera agressiva, perdeu o juízo, está “diabolizado” e possuído pelo mal. Necessariamente desta pessoa e da sua insanidade deveremos afastarmo-nos para nos protegermos do mal. Se possível deveremos enclausurá-la em hospícios e asilos para que a sociedade fique mais segura.
A outro nível, a pessoa com depressão, triste, apática, inibida, sem vontade ou motivação representa a fraqueza e a incapacidade de responder à adversidade. Não necessitamos de no afastarmos ou dela fugir mas é alguém que repele, que simboliza o desapontamento e sobretudo o insucesso numa sociedade de luzes que não aprecia a escuridão e as trevas da depressão.
A maldade e a fraqueza estão assim coladas à pele da pessoa com doença mental impelindo-a inevitavelmente para a exclusão e isolamento o que obviamente agravará o seu estado, constituindo um sofrimento adicional.
Mas a estigmatização não é exclusiva da pessoa com doença mental, estendendo-se aos psiquiatras, instituições psiquiátricas e a todos os agentes que trabalhem na área.
É por isso que os consultórios psiquiátricos estão menos identificados, é por isso que os pacientes nos pedem para emitirmos os documentos clínicos em folhas não identificadas, é por isso que à excepção de razões de conveniência todos os pacientes procuram esconder a sua condição tal como todas as outras vítimas de estigma procuram esconder o ferrete que as acompanha.
A história da Medicina mostra-nos outras situações de estigma como a lepra, a tuberculose, a epilepsia, mais recentemente a SIDA mas, de alguma forma, ou pela irradicação da doença (lepra), ou pela constatação de não perigosidade (epilepsia), ou pela cura de quase todos (tuberculose), ou ainda pela atenuação do seu impacto (SIDA), estas situações ou já se resolveram ou virão a ter uma solução não estigmatizante na sociedade.
A doença mental por seu lado persiste ainda fortemente estigmatizada necessitando de políticas activas e bem pensadas de representação da pessoa com doença mental que seja ao mesmo tempo real mas também mais positiva e optimista.
O nível de civilidade de uma sociedade também se mede pelo grau maior ou menor de estigmatização presente nessa mesma sociedade.
Acredito que no futuro, a doença mental venha a merecer uma atenção e reflexão mais consistentes, o que determinará inevitavelmente um fenómeno de desestigmatização progressiva.
Todos deveremos contribuir assim para que o projecto de elevação do ser humano venha a ser possível. Tal só será possível também com a eliminação de todos os preconceitos inerentes à doença mental.