Nascer, crescer, envelhecer e morrer são os factos mais certos da vida de qualquer ser vivo, incluindo o nosso companheiro de quatro patas. Apesar de andar meio mundo a tentar descobrir uma forma de evitar tão fatídico desfecho, o mítico elixir da juventude eterna ainda não foi descoberto e continua reservado ao mundo ficcional. Até lá teremos que nos resignar a aceitar que este é o ciclo da vida e que a única coisa que podemos e devemos fazer é enveredar esforços para que os efeitos naturais do envelhecimento sejam retardados ou amenizados, por forma a que o animal viva esta fase da sua vida da forma mais confortável e estimulante possível.
O envelhecimento cerebral, a par do envelhecimento no geral, são parte integrante das alterações que ocorrem na velhice, de tal forma importantes que condicionam o aparecimento de uma especialidade médica: a geriatria. Tal como a pediatria, a geriatria tenta prevenir, diagnosticar e tratar, na medida possível, as doenças especificas de uma fase da vida.
A idade a que passamos a considerar que o nosso cão é sénior varia com a raça. Cães de raças grandes são seniores mais cedo, normalmente a partir dos sete anos de idade. Indivíduos de raça pequena só o serão a partir dos 10. Animais sem raça definida têm alguma tendência para envelhecer mais tardiamente, que os de raça pura. Logicamente falamos em termos gerais. Cada caso é um caso e terá que ser avaliado de forma adaptada e individualizada.
Muitas vezes os sinais de envelhecimento são ignorados pelos tutores, uma vez que os consideram naturais e inevitáveis. A título de exemplo, um cão com artrite ou artrose movimenta-se menos, devido à dor causada por esta doença degenerativa articular. Logo dormita mais tempo, brinca menos, não vem receber o tutor, interage menos. Todas estas alterações no seu estilo de vida são relacionadas com a idade e o tutor não procura ajuda médica para tal. No entanto, apesar de não podermos curar, podemos minimizar os efeitos, por forma o animal ter uma vida mais confortável.
Sendo o organismo um todo, os sintomas de doença física aparecem a par dos sintomas de doença mental. No entanto, as modificações comportamentais relacionadas com o envelhecimento cerebral, são quase sempre ignoradas, uma vez que são muito subtis inicialmente e os tutores relevam a sua gravidade, considerando-as normais, inevitáveis e irremediáveis. Mas estamos medicamente habilitados a retardar os seus efeitos, da mesma forma que o poderemos fazer em relação a qualquer outra doença crónica. Quanto mais cedo detetarmos sinais de demência, mais hipóteses teremos de ser bem sucedidos.
Assim, se tem um cão sénior como seu companheiro de vida, deve estar atento aos seguintes sinais:
– Redução no nível de atividade (cães mais “preguiçosos”, que mostram relutância ao exercício físico, que dormem durante mais tempo)
– Modificação da resposta a determinados estímulos (não ligam à bola, quando sempre adoraram brincar com ela)
– Alterações no ciclo do sono (alteram os hábitos de descanso, ficando mais ativos durante a noite e dormindo durante o dia)
– Alterações nas relações sociais (deixam de tolerar a presença de outros cães, pessoas que não conhecem, ou mesmo outros animais, ou, pelo contrário, passam a ser mais tolerantes as estas mesmas presenças)
– Aumento da ansiedade (tornam-se mais instáveis, incapazes de gerir a frustração da ausência do tutor ou de outro companheiro não humano)
– Eliminação inadequada (cães com rigorosos hábitos de higiene, tornam-se descuidados e passam a urinar ou defecar em zonas onde nunca o tinham feito)
– Confusão mental, perda de memória, (desorientação espacial, dificuldade, mesmo que momentânea, em localizar a água, a comida, os brinquedos, ou mesmo a porta da rua; demora no reconhecimento de pessoas ou animais com os quais sempre conviveu; andar sem nexo e em circulo)
– Vocalização excessiva e desproporcionada (ladrar por ladrar, sem motivo aparente, muitas vezes dirigido a nada visível; passar a vocalizar durante a noite, enquanto deambula sem destino pela casa)
– Incapacidade para resolver problemas simples ( dificuldade em ultrapassar obstáculos físicos ou para mudar de direção ao encontrar uma barreira, como por exemplo uma parede)
O aparecimento de qualquer destes sinais, associado ou não a sintomas de doença física, deverá condicionar uma visita ao veterinário assistente. Este estará habilitado a ajudar o seu velhote a ter um final de vida condigno, confortável, estimulante e enriquecedor. Provavelmente aconselhará check-up analítico a intervalos regulares para diagnóstico precoce das principais doenças geriátricas. No entanto, no ambiente familiar, podemos tomar algumas medidas para minimizar os efeitos da demência e retardar a sua evolução. Parar é morrer! Se não houver uma intervenção ativa dos tutores, com estimulação adequada e adaptada a esta fase da vida, teremos cães mais problemáticos. A eutanásia devido a alterações de comportamento relacionados com a demência é uma realidade, infelizmente, na prática da medicina veterinária. Se formos responsáveis e pró-ativos poderemos ter cães saudáveis, por mais tempo. O cérebro, assim como qualquer outro órgãos, funcionará tanto melhor quanto mais treinado for. A este treino especifico chamamos estimulação cognitiva.
Aqui ficam algumas dicas para os responsáveis tutores de velhotes de quatro patas poderem melhorar consideravelmente o dia a dia destes animais:
1 – JOGOS COM A COMIDA
O olfato é o sentido que os cães mantêm mais apurado, até mais tarde na vida. Assim, grande parte da estimulação cognitiva deverá aproveitar este facto. Poderemos proporcionar jogos de busca, em que escondemos pequenas quantidades de comida húmida, olfativamente mais estimulante, primeiro em locais de fácil acesso, para ir, aos poucos aumentando a dificuldade, conforme o cão vai compreendendo como funciona o jogo. Existem, no comércio de produtos para animais, objetos de várias marcas, que funcionam como dispensadores de comida. Uns para pasta, outros para secos. Alguns, inclusivamente, podem ser congelados, de maneira a que funcionem como uma espécie de gelado para cão. Mas poderá utilizar métodos caseiros, tais como, caixas de ovos, garrafas de água vazias, guardanapos de papel a formarem pequenos embrulhos, tubos de cartão do interior do papel higiénico.
2 – AMBIENTE ESTIMULANTE
A maior parte dos cães idosos movimentam-se com dificuldade, mas devem ser diariamente levados a locais interessantes, que possam inspecionar olfativamente e que lhe permitam o convivo com outros cães ou pessoas (se for algo anteriormente apreciado). Mesmo pequenos períodos de passeio, 5-10 minutos, são benéficos.
3 – BRINCAR
Os tutores devem fazer uma lista dos jogos que o cão mais gostava quando era jovem. Alguns deles podem estar para lá das capacidades físicas que o animal apresenta no momento, mas outros podem ser adaptados às limitações da idade. Também podem ser criados novos jogos, com motivação adaptada, como por exemplo, procurar comida ao comando.
4 – CONTACTO SOCIAL
Alguns cães geriátricos tornam-se socialmente isolados, uma vez que se mantém mais em casa, não só devido à relutância que apresentam ao exercício, como também ao desinteresse que mostram quando são convidados ao passeio diário. Os tutores devem ser encorajados a interagir mais com o animal, sem esperar que seja este a pedir atenção. Devem incentivar a brincadeira e utilizar mais o contacto físico, os afagos e os carinhos. A sensação do toque é, por si só, um importante instrumento de estimulação cognitiva. Os jogos de grupo são também importantes, uma vez que promovem o relacionamento social com os seus semelhantes.
5 – MARCAÇÃO AMBIENTAL COM ODORES
Tal como já referi, o olfato é dos últimos sentidos a serem perdidos. Assim, em animais de visão reduzida pelas cataratas e de audição limitada, poderemos identificar locais importantes para o seu dia a dia com odores diferentes. Poderemos recorrer a ervas aromáticas, velas de cheiro ou perfumes de ambiente. Aromas diferentes de divisão para divisão, mas constantes no tempo. Assinalaremos assim os locais de alimentação ou de descanso. A possibilidade de encontrar facilmente os recursos indispensáveis pseu bem estar reduz o stress e a ansiedade, para além de manterem o animal repousado e bem nutrido.
6 – MARCAÇÃO COM SONS
Em animais que mantém alguma capacidade auditiva, poderemos marcar estes mesmos locais com sons diferentes, que retiramos facilmente da internet e que mantemos como som ambiente. Como exemplo, podem ser utilizados sons de água a correr, vozes de animais, barulho de vento, musica calma, etc. As possibilidades são muitas. É só por a imaginação a funcionar.
7 – MARCAÇÃO COM LUZ
A capacidade de se orientar no escuro também está comprometida. A desorientação espacial causa, também ela stress e ansiedade. A simples decisão de manter uma pequena luz de presença no local de repouso, pode ajudar um cão idoso a localizar a água ou a comida, ou mesmo a tomar consciência do local familiar em que se encontra.
8 – MARCAÇÃO DO PISO COM TEXTURAS
As dificuldades locomotoras são também um problema nos velhotes. Levantam-se a custo, tropeçam facilmente, escorregam e caem, sem se conseguirem reerguer. A cobertura antiderrapante em todos os locais de passagem poderá ajudar estes animais a conseguirem movimentar-se com menor dificuldade. Para além disso, se estes pisos modificarem a sua textura de zona para zona, serão também eles mais uma pista para a identificação do local.
9 – EXERCÍCIO FISICO
Sim! O exercício físico é muito importante para os velhotes. Logicamente que terá que ser adaptado às limitações físicas e cognitivas do indivíduo. Devem continuar os passeios diários, se possível mais frequentes mas menos prolongados. Deve-lhes ser permitido cheirar sem destino, absorver um mundo de odores, processar toda a informação que estes aromas transmitem. Promover o convívio com outros cães, as brincadeiras de grupo, as interações físicas e de linguagem é igualmente importante. A natação é um ótimo exercício para esta faixa etária, uma vez que permite tonificar todos os músculos, sem danificar ainda mais as dolorosas articulações. Mas deverá ser feito em água morna e relaxante. Se outros cães estiverem presentes, será uma boa oportunidade para jogos de grupo, sem as limitações impostas pela dor.
10 – FACILITAR O ACESSO AOS RECURSOS BÁSICOS
Uma vez que a desorientação espacial e a dificuldade em se movimentar são os principais problemas dos geriátricos, deveremos disponibilizar mais recursos, tais como bebedouros, comedouros e locais de descanso, colocados em zonas mais acessíveis, sobretudo ao nível do chão. Também as rampas e pisos antiderrapantes, já referidos anteriormente, podem facilitar o acesso a estes locais. Para muitos destes animais a desorientação é de tal ordem que, quando os tutores estão fora grande parte do dia, a desnutrição e desidratação podem ocorrer.
11 – PROPORCIONAR UM SONO DESCANSADO E REPARADOR
A perda de hábitos de sempre é um efeito bastante incómodo da demência. Muitos destes cães alteram o seu ciclo do sono e passam a estar ativos durante a noite, para depois dormitarem durante todo o dia. Há alguns truques que podemos utilizar para tentar contrariar esta realidade. A colocação de uma luz de presença permitirá ao cão orientar-se e sentir-se mais relaxado, uma vez que sente que controla o ambiente. Uma cama com barreiras fornecerá um espaço limitado mais fácil de controlar. O acesso a estas camas poderá ser feito por uma rampa antiderrapante. Colocar na cama uma peça de roupa do tutor facilitará a orientação olfativa. As janelas deverão estar fechadas e as cortinas corridas para evitar a entrada se luz às primeiras horas da manhã. Aumentar a atividade durante o dia, com passeios e jogos com comida, não permitindo que o cão durma o dia todo, podem ajudar a que durma melhor à noite.
12 – TREINO
Sim! Deveremos treinar o cão idoso. Servirá para o estimular cognitivamente, para além de relembrar exercícios básicos de obediência, tantas vezes esquecidos devido ao envelhecimento cerebral. Simplesmente o reforço utilizado não poderá ser o estalido do clicker ou o encorajamento do tutor, uma vez que o aluno poderá estar completamente surdo. Em alternativa podem ser utilizadas luzes, associadas a prémio alimentar, cada vez que corresponder ao exercício. Logicamente não poderão ser treinos muito prolongados e se o cão não conseguir corresponder de todo, o treino deve ser interrompido, ou mudar de exercício, por forma a não criar demasiada frustração.
Não será de mais lembrar a importância do maneio da dor crónica. Muitos destes cães estão em permanente sofrimento devido ao desconforto causado pela degradação articular. Não sendo possível curar, podemos reduzir os efeitos desta doença, recorrendo a fármacos. Se a dor estiver controlada, o cão estará mais disponível para colaborar com o seu tutor.
Resta-me sensibilizar para a importância de não desistirem dos seus companheiros de quatro patas, simplesmente porque estão velhotes e dão mais trabalho. A velhice é uma fase da vida, natural e inevitável. Também a infância foi, de certeza, trabalhosa e não foi por isso que abandonaram as suas obrigações como cuidadores. Sem dúvida, um cachorro é bastante mais encantador. Representa o início, a juventude, o fulgor da vida. Estamos muito mais motivados a mostrar a nossa empatia com um ser jovem e bem disposto, do que com um velhote limitado e rezingão. Mas quando se sentirem vacilar, lembrem-se de tudo aquilo que passaram juntos: as alegrias e as tristezas, as mudanças e as rotinas, os encontros e desencontros, os nascimentos e as mortes, as vitórias e as derrotas. E ele esteve sempre lá, independentemente do humor ou estado de espirito do seu amigo humano. Respeite-o não só como uma vida que se aproxima do final, mas também como um companheiro de anos…