Não é raro ouvir alguém afirmar que, uma vez passada uma fotografia a cores para tons de cinzento, esta “ficou bem melhor”. Na prática, a fotografia não ficou melhor, no sentido em que os diversos elementos da sua composição — os interessantes, mas também os menos atraentes — permanecerem idênticos. Contudo, ao descartar a cor de uma imagem, é possível que potenciais distrações geradas por algumas matizes sejam eliminadas, fazendo com que o nosso olhar se concentre primordialmente nas formas, nos tons e nas relações espaciais existentes, alterando o peso visual que cada elemento da composição usufruía. Por vezes, este processo ‘melhora’ a fotografia, mas nem sempre é assim.
![20150923_10233-2_ONLINE.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/827002020150923_10233-2_ONLINE.jpg)
Legenda: A predileção pela fotografia a preto e branco é subjetiva, mas é inegável que encerra um certo carácter intemporal. Mais do que passar uma imagem a cores para tons de cinzento, uma fotografia monocromática com algum impacto pressupõe algumas noções basilares, como aqui se verá através dos próximos exemplos e de um breve vídeo no final. © Joel Santos – www.joelsantos.net, Dança Barong, Bali, Indonésia.
Joel Santos
Com efeito, o simples descartar da cor não é garantia de que as distrações desapareçam e, no limite, novos problemas podem ser criados. Imagine-se, por exemplo, uma fotografia rica em matizes de verde e vermelho, duas cores complementares no círculo de cores tradicional e, como tal, altamente
contrastantes. Neste sentido, supondo que o verde correspondia à relva de um jardim, a presença de uma bola vermelha sobre esta última seria imediatamente notada, até porque o vermelho é a primeira cor que o nosso cérebro identifica. Por um lado, essa mesma bola pode ser um elemento central da composição, caso em que beneficia do referido destaque e tornar-se-á num importante ponto focal; mas, por outro lado, também pode transformar-se numa forte distracção, nomeadamente se estivéssemos a fotografar uma pessoa sobre a dita relva, fazendo com que esse elemento humano perdesse algum do seu protagonismo. Para culminar este exemplo, se esta última imagem fosse convertida para preto e branco, descobriríamos que o vermelho da bola corresponde a um tom de cinzento muito próximo do verde da relva — ou seja, o protagonismo criado pela cor da bola, desejado ou indesejado, seria fortemente minimizado na imagem monocromática.
![circulo de cores a PB.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270063circulo-de-cores-a-PB.jpg)
Legenda: Esta simples infografia mostra o círculo de cores tradicional à esquerda, o qual surge representado em tons de cinzento à direita uma vez aplicada uma ferramenta de conversão para preto e branco. Note-se como as cores complementares verde e vermelho, muito contrastantes no círculo da esquerda, resultam em tons muito semelhantes no círculo da direita, logo sem um contraste digno de nota.
Assim, para criar uma boa imagem a preto e branco é necessário ter presente os tons que cada cor irá originar, isto porque as imagens monocromáticas beneficiam dos contrastes tonais para delinear as formas e alimentar o peso visual de cada elemento presente na composição. Tendo estas noções fundamentais em mente, é possível identificar um conjunto de dicas para criar fotografias a preto e branco com o impacto visual desejado.
1 – Fotografe a cores e no formato RAW
Uma das regras de ouro da fotografia da preto-e-branco é, paradoxalmente, fotografar a cores. Isto porque as cores serão essenciais na fase de pós produção, podendo ser usadas para trabalhar separadamente os seus respectivos tons, como será demonstrado adiante.
Esta regra é especialmente importante se a sua câmara estiver configurada para gravar as imagens no formato JPEG, uma vez que, se usar algum dos modos de fotografia monocromática por ela disponibilizados, o processo é irreversível e perderá a capacidade de usar as cores parar melhor trabalhar os tons de cinzento correspondentes.
Consequentemente, é aconselhável gravar as imagens no formato RAW, já que, mesmo que use algum dos modos de fotografia monocromática da câmara, úteis para ‘antever’ directamente no ecrã LCD como é que uma dada cena ficaria a preto-e-branco, a fundamental informação de cor não será perdida — ou seja, por incrível que tal possa parecer, a imagem até poderá voltar a ficar a cores quando a importar para o seu computador. Adicionalmente, o formato RAW preserva uma quantidade de informação substancialmente superior àquela que um JPEG contem, a qual será essencial para produzir uma imagem a preto e branco com a melhor gradação de tons possível.
![Screen Shot 2016-03-03 at 15.54.00_ONLINE.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270065Screen-Shot-2016-03-03-at-15.54.00_ONLINE.jpg)
Legenda: Este simples exercício mostra como a criação de uma fotografia a preto e branco pressupõe um bom conhecimento da fotografia a cores, nomeadamente a correspondência entre as cores e os seus respectivos tons de cinzento (imagens no topo), algo particularmente essencial na fase de edição da imagem, onde estes podem ser trabalhados de forma a maximizar os contrastes (imagem em baixo), sobretudo quando se tira partido das imagens no formato RAW. © Joel Santos – www.joelsantos.net, Campos de arroz, Bali, Indonésia.
2 – Concentre-se nos contrastes, formas e texturas
Uma vez eliminada a cor, seja como distracção ou como adjuvante da composição, serão os jogos luminosos existentes entre os vários elementos que assumirão o protagonismo visual na imagem a preto-e-branco. Assim, procure treinar o seu olhar de forma a antecipar os contrastes que existirão entre os diversos elementos da composição, ficando atento às suas formas, padrões e texturas. Tenha em mente que cores que estejam separadas por duas (ou mais) casas no círculo de cores tradicional (verde e laranja, amarelo e vermelho, laranja e azul, por exemplo) serão mais fáceis de trabalhar em pós produção, alterando a sua luminosidades para produzir tons mais contrastantes.
![Screen Shot 2016-03-03 at 15.33.21_ONLINE.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270067Screen-Shot-2016-03-03-at-15.33.21_ONLINE.jpg)
Legenda: A imagem a cores deixava antever os jogos entre luz e sombra, os quais puderam ser explorados para intensificar as formas e as texturas na imagem a preto e branco. Evidentemente, o gosto pessoal de cada pessoa irá fazer com que uma das opções seja mais atraente do que a outra, uma reação impulsiva que torna o tema da fotografia monocromática ainda mais apaixonante. © Joel Santos – www.joelsantos.net, Deserto do Namib, Sossusvlei, Namíbia
3 – Veja a luz de uma forma diferente
Quando se fotografa a cores é frequente procurar situações de baixo contraste, tal como acontece com a luz do amanhecer ou anoitecer, evitando a luz mais ‘dura’ do meio do dia. Todavia, a luz áspera de um dia de verão pode ser benéfica para criar sombras profundas, as quais irão contrastar com as superfícies adjacentes sobejamente iluminadas. O mesmo acontece quando se fotografa em contra luz, criando áreas de luz/sombra que nem sempre resultam bem a cores, mas que podem ser a alma de uma imagem a preto e branco com impacto.
![Screen Shot 2016-03-03 at 15.43.21_ONLINE.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270069Screen-Shot-2016-03-03-at-15.43.21_ONLINE.jpg)
Uma situação de quase contra luz, na qual o sol ficou de fora do enquadramento por muito pouco, fez com que, naturalmente, a imagem a cores se apresentasse praticamente monocromática, anulando as matizes de laranja que popularizam as dunas do deserto do Namib. A passagem a preto e branco reforçou ainda mais os contrastes existentes nas dunas, especialmente o feixe de luz que as separa, e ajudou a delinear as formas das árvores face a todo a sua envolvente. © Joel Santos – www.joelsantos.net, Deserto do Namib, Deadvlei, Namíbia
4 – Use uma sensibilidade ISO baixa, mas adicione grão
A sensibilidade ISO tem um impacto directo na qualidade de imagem, pois, quanto mais alto for o valor, maior será a quantidade de ruído digital presente, degradando detalhes, texturas e gradações tonais. Ou seja, uma fotografia feita a ISO 100 terá uma qualidade de imagem muito superior a outra feita a ISO 3200, por exemplo.
Assim, importa não confundir esse ruído digital, que também pode criar micro oscilações luminosas na imagem, com o ‘grão’ que caracteriza muitas das fotografias a preto-e-branco feitas com filme, as quais perduram no nosso imaginário. Sempre que possível, deve privilegiar a qualidade de imagem e registar o máximo de informação usando a sensibilidade ISO mais baixa possível, até porque o ruído digital tem uma dispersão pouco natural e uma apresentação pouco ‘orgânica’. Logo, se desejar que as suas fotografias a preto-e-branco tenham ‘grão’, este deverá ser adicionado na fase de pós-produção, usando ferramentas específicas para o efeito, altamente configuráveis e que têm a capacidade de criar um resultado atraente e com uma aparência menos digital.
![Screen Shot 2016-03-03 at 16.06.37_ONLINE.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270071Screen-Shot-2016-03-03-at-16.06.37_ONLINE.jpg)
A adição de grão deve ser feita sempre em pós-produção. Independentemente de se gostar ou não desta característica, tão celebrizada pela fotografia em filme, é um facto que a presença dessas micro oscilações luminosas na imagem aumentam a sensação de nitidez aparente, um subterfúgio visual que funciona particularmente bem nas imagens a preto e branco, mas que raramente é desejável numa fotografia a cores. © Joel Santos – www.joelsantos.net, Dança Barong, Bali, Indonésia.
5 – Edite as fotografias num computador
É um facto que os modos de fotografia monocromáticos oferecidos pelas câmaras fotográficas são cada vez mais elaborados e competentes, mas não é menos verdade que estes jamais irão oferecer o grau de criatividade e controlo disponibilizados por programas de edição de imagem dedicados. Através destes programas poderá trabalhar os tons com base nas cores originalmente registadas, trabalhar a luminosidade de zonas específicas da composição, adicionar grão, ‘aquecer’ ou ‘arrefecer’ os tons monocromáticos, entre muitas outras possibilidades criativas. O vídeo seguinte, gravado em passo acelerado, mostra um exemplo concreto disso mesmo, usando o programa Adobe Photoshop Lightroom CC. Votos de boas fotografias a preto-e-branco.
![Screen Shot 2016-03-03 at 15.14.59.png](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/10/8270073Screen-Shot-2016-03-03-at-15.14.59.png)
Legenda: Clique sobre a imagem para o visualizar um vídeo em passo acelerado, mostrando os passos de edição de imagem efectuados no Adobe Photoshop Lightroom para passar uma imagem para preto e branco, usando as cores originais como forma de trabalhar os tons. Também são aplicados ajustes locais para intensificar os contrastes e fazer sobressair as formas, acrescentando uma ligeira tonalização amarelada e grão como toque artístico final. No final, fica evidente como este processo personalizado é muito mais eficaz do que a simples conversão automática da imagem para tons de cinzento, na qual os tons correspondentes a cada cor surgiam pouco diferenciados. © Joel Santos – www.joelsantos.net, ONG Filhos do Coração / Touch a Life, Kumasi, Gana