O Presidente da Comissão Europeia é um homem mal-amado. Injustamente. Alvo de campanhas cíclicas nos media europeus, Jean-Claude Juncker é retratado como um homem “cansado”, “envelhecido”, com muitos vícios para poder liderar a instituição europeia que tem o poder de iniciativa legislativa da união. Várias capitais nunca digeriram ter-lhes escapado, entre os dedos, o poder de nomear o presidente da Comissão nas últimas eleições europeias. Preferiam as manobras de bastidores que levaram o Conselho, em 2004, a nomear de surpresa Durão Barroso para o cargo – “o menor denominador comum” como lhe chamou, na altura, o Financial Times. Era esse o modelo que Berlim, e também Londres, queriam manter. E do qual ainda não desistiram.
O ruído para Juncker renunciar à presidência aumentou depois do voto no ‘Brexit’. Antes já tinha havido outra pressão, maior, para se demitir. O momento em que pôs o pé no Berlaymont coincidiu com a fuga do Luxleaks, um caso fiscal no Luxemburgo com muitos pontos em comum ao dossier recente entre Dublin e a Apple. Mas com uma diferença. Quando saiu de primeiro-ministro do grão-ducado, Juncker deixou um Estado com o maior PIB per capita da UE (258% da média europeia), um trunfo que a Irlanda está muito longe de apresentar.
O conservador Juncker soube manter o nível de riqueza do Luxemburgo durante 18 anos como primeiro-ministro. A mesma tarefa espera-o numa união gigante, desequilibrada e desigual. Mal assumiu a presidência da Comissão identificou os dois problemas imediatos, um económico, outro político.
O primeiro é a falta de Crescimento, uma palavra que era a extensão natural do Pacto de Estabilidade antes do início da crise das dívidas soberanas. Ciente dos limites do atual modelo de solidariedade, via fundos europeus, Juncker lançou um plano de investimentos paralelo que, apesar das resistências, saiu da gaveta e será em breve ampliado no tempo e reforçado no financiamento original.
O segundo é um legado difícil: a perda de influência e o esvaziamento da Comissão em favor de soluções intergovernamentais do Conselho. A batalha entre as duas instituições é tão notória como a falta de empatia entre Donald Tusk (presidente do Conselho) e Juncker, apesar de pertencerem à mesma família política (PPE). O processo do ‘Brexit’ mostra já a crescente desconfiança entre as instituições. A Comissão Europeia sempre esteve na linha da frente a negociar os capítulos de alargamento a um novo país, cujo relatório e recomendação eram depois aprovados (ou não) pelo Conselho. Mas no primeiro processo de saída voluntária da união, as três instituições – Conselho, Comissão e Parlamento – enviaram um negociador ativo, cada um, para preparar o divórcio com Londres. O papel da Comissão volta a diluir-se, ainda que a escolha do negociador da instituição tenha recaído sobre o experiente Michel Barnier.
A reviravolta para recuperar o protagonismo da instituição é uma das missões mais difíceis de Juncker. Até porque o colégio de comissários, salvo raras exceções, está longe de ter um perfil político forte, sólido e capaz de pôr os interesses do seu país atrás dos da união. O luxemburguês ainda não é um homem só – a velha máquina eurocrata funciona e soube construir alianças com a família socialista europeia –, mas continua vulnerável.
Juncker tem vícios conhecidos, que os adversários confundem com defeitos. É diferente da maioria dos líderes europeus de hoje, que entusiasmam tanto como um bocejo, que oscilam entre a imagem yuppie, talhada em passagens por universidades britânicas ou americanas, e o tique déspota de burocratas, cegos para a flexibilidade das regras e com uma noção sumida de princípios democráticos, sociais e humanitários. Sobretudo desde o alargamento a leste, os atuais líderes têm minado a fórmula de mais Europa e tratam Bruxelas como um cofre. Não tem o humor, nem a experiência, nem a inteligência de homens como Juncker, que amadureceram na política quando o ideal europeu estava em rota ascendente. Entre os cargos políticos de topo Jean-Claude Juncker é, talvez, um dos últimos vestígios da Europa que valia a pena.