Nem o Anticiclone dos Açores teve forças para nos proteger da tempestade. Os mares de prata, o azul celestial único e as ondulações dos gradientes verdes são agora insuficientes para desassombrar as nossas ilhas. O arquipélago deu um passo atrás. Fechou-se de novo para o mundo, encoberto por milhares de quilómetros de oceano até se avistar de novo terra firme.
O “paraíso selvagem”, a duas horas do continente europeu e a quatro do continente americano”, paraíso exótico”, “éden intocado”, como refere o Washington Post, dorme angustiado por mais uma catástrofe natural, desta vez global.
Com a liberalização do espaço aéreo nos Açores, em março de 2015, o arquipélago gerou um aumento exponencial de 21,2 % de visitantes face ao ano anterior. A partir daí, o “éden intocado” deixou de ser apenas açoriano para ser do mundo, de todos os que o visitam.
Nos Açores choviam os empreendimentos turísticos, nasciam como cogumelos: novas unidades hoteleiras, novos rent-a-car, turismo rural, alojamento local, passageiros desembarcados, hóspedes, dormidas, cruzeiros… O som das turbinas dos jatos fazia parte do bulício das cidades. Os aeroportos borbulhavam de turistas e os aviões da Air Azores não tinham asas a medir. Os Açores eram o novo destino, a nova aventura global.
Em 2017, a editora Lonely Planet classificou as ilhas como a terceira melhor região do mundo a visitar, pelos seus encantos naturais, como vulcões, banhos termais e penhascos; antes, em 2016, a National Geographic Traveler havia elegido o arquipélago “o mais belo lugar do mundo para férias ou viagens de negócios”; antes ainda, em 2014, o The Guardian sugeriu os Açores como um dos quarenta locais a visitar em 2015; a Green Destinations classificou as ilhas como o “destino turístico mais sustentável da Europa” e a ONG Coastal & Marine Union (EUCC) considerou o arquipélago “o primeiro Destino Qualidade Platinum Coast do mundo”. A Forbes classificou a região como “um dos destinos turísticos mais singulares do mundo” e a BBC Travel anunciou que o Pico era “uma das cinco melhores ilhas secretas do mundo”; a World Travel Guide classificou as Furnas, em São Miguel, como “uma das cinco zonas vulcânicas mais apelativas do mundo”. De recordar ainda as palavras do Presidente das Sete Maravilhas de Portugal, “Os Açores são ilhas de beleza idílica, com maravilhas naturais de cortar a respiração”. Lembramos que, de entre as vinte e uma maravilhas votadas, cinco foram dos Açores.
É importante e de justiça ter presente que grande parte deste sucesso se deveu ao trabalho competente e incansável da ATA – Turismo dos Açores e ao esforço hercúleo dos seus técnicos superiores de Turismo que, nos maiores certames europeus, venderam ciclicamente o destino Açores.
O boom do turismo nas nove ilhas atlânticas portuguesas, por incrível que pareça, aconteceu num passado bem recente. Foi ontem. Parece impossível!
É que hoje os Açores são ilhas desertas de gente de fora. Os cruzeiros aproam e atrevem-se, mas não aportam, porque a gestão do medo não os aceita. Como poderiam nove ilhas isoladas com escassos recursos médicos, tanto humanos como materiais, acolher centenas de doentes? O vírus é quem manda. Por enquanto, sujeitamo-nos a ele.
O nosso contentamento hoje é pouco mais que o cheiro do enxofre dos vulcões, que faz parte do nosso sangue, da nossa génese, e as estridências penetrantes dos gritos dos milhafres. A ver vamos o que o futuro nos reserva nestes escolhos do Atlântico Norte. Para já, prisioneiros no paraíso.