1. Diz uma notícia do site da VISÃO que chegar atrasado é sinal de criatividade, otimismo e sucesso. Sabrina Hoffman e John Hunter são os seus autores e o artigo foi publicado no Business Insider Deutschland.
Fosse verdade o que escrevem estas sumidades para a Business Inside, os portugueses estariam entre os povos mais criativos, otimistas e bem-sucedidos da galáxia. Concordamos, estou certo, o leitor e eu, que não é bem assim que nos vemos e que nos veem os outros povos.
Chegar atrasado a encontros é, pelo contrário, sinal de uma enorme falta de respeito, uma das razões para a nossa crónica falta de produtividade e um empecilho para sermos melhores. Está encravado no nosso quotidiano como as carraças na pele de canídeos. Já não se resume a uma característica de personalidade mas a um modus institucional. É a loja de assistência técnica que abre as portas 10 minutos depois da hora marcada, enquanto uma fila de clientes (que não têm outra alternativa) esperam ao sol abrasador e, provavelmente, falharão um compromisso. É a Câmara Municipal de Lisboa que decide abrir mais um roço, mais um buraco, destruir mais um passeio ou fechar mais uma estrada, sem disso dar informação a ninguém, sem colocar placas informativas, sem proteger a via por onde circulam carros ou os passeios onde se cruzam peões (já para não falar dos cidadãos de mobilidade reduzida, que, se sem obras já vivem um inferno, com as obras são remetidos à situação de marginais). É o presidente da República que, para se pavonear no Terreiro do Paço no 10 de Junho, manda fechar toda a Baixa da cidade, remetendo automobilistas, utentes de transportes públicos, trabalhadores, turistas e os outros, todos, à condição de indesejáveis. É este o respeitinho que temos pelos horários, pelos compromissos, pelas regras. É isto que nos torna pequeninos.
2. Exigir fotocópia do Bilhete de Identidade sempre foi ilegal. Podemos com muita legitimidade perguntarmo-nos sobre o motivo de tal desígnio nacional. Se se pede a alguém que se identifique – porque tem de pedir um certificado de habilitações, por exemplo – qual a razão para ter de deixar uma fotocópia do documento que já o identificou? Na verdade, nenhuma. Agora, uma lei do Governo veio deixar claro que tal prática é ilegal e pune quem o exigir com uma coima entre 250 e 750 euros. Mas para o nacional-burocrata isso pouco importa.
Tente o leitor solicitar a emissão de um diploma de licenciatura, a pedido de um amigo, com procuração, ao ISCTE-IUL. Tudo começa com uma funcionária não identificada, por trás de uma secretária, que lhe exige a fotocópia do BI. “Não pode, é ilegal”. Não basta. Diz que já leu qualquer coisa sobre o assunto mas que a fotocópia é necessária. Junta-se-lhe uma colega que reafirma a necessidade da fotocópia. E vem a chefe de serviço, que “tem de ir ali ao multibanco” (durante as horas de serviço, que já são curtas para um utente que tenha de trabalhar e não possa dedicar a vida a pedir documentos), dizer que a jurista da universidade ainda não se pronunciou. Na verdade não tem de se pronunciar, a lei não exige pronúncia a ninguém, só tem de ser cumprida.
Adiante. Depois de muita discussão, lá aceitam desistir da fotocópia (o meu passo seguinte seria chamar a polícia e denunciar a situação) e a funcionária escreverá na folha de pedido do diploma que viu o BI e que este estava conforme. Como a burocracia nunca se fica por aqui, é necessário ir pagar o diploma à tesouraria, com um bilhete que parece uma rifa. E aí a empregada dispensará o recibo em triplicado, tendo o utente de voltar ao local onde pediu o diploma para entregar o comprovativo (Não são ambos serviços do ISCTE-IUL? Tem o utente de fazer de paquete?) E a questão da fotocópia do BI vem de novo à baila, ressuscitada do caixão administrativo onde se julgava enterrada. Agora é outra funcionária, não identificada, que abandona o alçapão onde estava escondida e que vem exigir a fotocópia que havíamos acordado que não era necessária porque é ilegal. E que depois de muita prosápia arrogante, reconhece que não leu a lei, que não a conhece, e que abandona a conversa a meio porque entretanto chegou uma “senhor professor” que tem um assunto qualquer para tratar.
Conclusão: uma hora para tratar de um assunto que não demoraria mais de 10 minutos. É a esta gente, a estes serviços, a esta mentalidade que estamos entregue. É ela que nos tolhe, que nos cerceia. É ela que nos faz perder tempo. É um sinal de criatividade, de otimismo e de sucesso, diziam os gajos da Business Inside…