Há ratos que podem chegar a um quilo e meio. Vivem nas florestas da Papua Nova Guiné e nunca foram mayors de Londres. São conhecidos pelas suas cores escuras mas aparecem, now and then, alguns com tez clara e pelo patinado. Estes ratos não são controláveis por gatos, o animal a que todos atribuímos a capacidade de caçar o primeiro ou, pelo menos, de o manter a uma distância respeitável. Demasiado grandes, não se escondem na toca dos comuns mas são muito ratos para se deixarem apanhar. São tidos por inteligentes, cultos, mundanos e dados às coisas da cultura e das artes. Arrastam o pedigree como os elefantes baloiçam a tromba. Há até quem os confunda, tão grandes, com outras espécies, talvez um cão, o que muito os apraz. Quando o barco soçobra em águas bravas e turvas, são os primeiros a abandoná-lo: graças ao seu corpanzil, nadam para longe e procuram refúgio num boteco. Ou num quiosque de jornal, à espera que a borrasca passe.
Há ratos mais pequenos. Pesam metade dos da floresta, são empertigados e fuinhas, chilreiam e ukipam sempre que tal lhes é conveniente. Sabe-se, dos ratos, em geral, que são oportunistas e que encontram de que se alimentar no lixo dos outros. Estes são ratos que nada desperdiçam, que estão atentos a qualquer oportunidade, a qualquer necessitado que cruze a fronteira do seu território e, a deles, embora ratos, fazer gato e sapato. Estes são bicharocos capazes até de atribuir a esses necessitados a disseminação de doenças e de pragas quando se sabe que são eles, os ratos, que disseminaram a peste, que espalham o tifo, que pegam a sarna. Vaidosos e altaneiros, dados a discursos pomposos, fazem crer que veneno é mel, que pobres são ricos, que fracos são fortes, que as vacas voam em bandos e migram para o sul no inverno. Sempre prontos a ampliar os defeitos dos outros, sempre cientes de que assim se notam menos os seus, são o tipo de roedor que engana o comandante do navio, que julgando salvá-lo o encalha, enquanto a canalha o abandona, sorrateira, sempre a olhar para os lados.
Também há os ratos e as ratas moralistas. São aqueles que vivem de acordo com as regras dos seus, que se abonam nos melhores salões, que julgam os outros pela respeitável etiqueta que herdaram não sabem de quem, não sabem porquê, não sabem para quê. Roem Roquefort às quatro e bebem água às sete, não porque tenham forme, não porque tenham sede, mas porque tal lhes manda tradição. São estes que atiram à cara dos outros, sibilando, educados, como se os recebessem de braços abertos, os maiores ultrajes. E que depois se indignam, se vitimizam, se apoquentam quando o vento lhes devolve a porcaria que espalharam no ar. Estes são ratos – e ratas – que julgamos que nunca abandonarão o navio mas que quando os abanões são mais fortes saltam amurada fora, escorreitos, polidos, direitos, com os seus casaquinhos debruados, alguns cor-de-rosa, como se os esperassem na Garret para o chá das cinco.
Dos ratos mais se poderia dizer, embora a esta alegoria outras características suas não interessem. Talvez só acrescentar que já não há no Reino Unido uma praga de ratos: abandonaram todos o navio encalhado.