No próximo mês, a Fundação Francisco Manuel dos Santos organiza quatro debates relacionados com a fecundidade. A iniciativa tem o nome de Mês da População e abordará o tema mais crítico da demografia portuguesa contemporânea. Os encontros decorrem na Faculdade de Ciências Médicas, em Lisboa, e juntarão um conjunto variado de intervenientes, de jornalistas a cientistas sociais, de políticos com assento parlamentar a representantes diplomáticos estrangeiros em Portugal.
A fecundidade, disse-o, é o facto mais crítico da demografia portuguesa contemporânea. Nem sempre foi assim. Antes, os movimentos migratórios e os avanços na esperança de vida dos portugueses terão tido um efeito maior sobre a evolução da população. Sempre que os fluxos migratórios diminuíram (deixando o saldo entre saídas e entradas de ser fortemente negativo ou positivo) e o ganho de anos de vida se tornou uma constante civilizacional (vivemos mais, vivemos com mais saúde), o perfil da população portuguesa começou a ficar mais dependente do número de nascimentos e de quantos filhos tem uma mulher.
A situação pode mudar a qualquer momento. A história está cheia de crises de mortalidade (causadas por epidemias, por guerras, por desastres naturais) súbitas e de casos de intensificação dos movimentos migratórios. Basta a economia nacional colapsar mais e o número de saídas aumentará bruscamente. Basta o caldeirão do norte ou do leste do Mediterrâneo ferver mais, e o número de refugiados e de imigrantes crescerá. Na verdade, o dado mais certo da demografia portuguesa parece ser… a baixa fecundidade.
Em Portugal, o número de filhos por mulher é o mais baixo da União Europeia e um dos mais baixos do mundo. No resto do planeta, contudo, são cada vez mais raros os países onde subsistem descendências numerosas. Mesmo em países onde a fecundidade é condicionada por medievais visões do papel da mulher ou onde as crianças são um bem económico importante, a fecundidade tem vindo a diminuir. Na Europa, em nenhum país, hoje, o limiar da fecundidade permite a substituição das gerações. Esta é uma mudança transnacional e de sentido igual em quase todos os cantos do mundo.
Esta lenta e silenciosa transformação dos comportamentos demográficos virou de pernas para o ar o nosso mundo. Hoje há poucos miúdos a brincar no Jardim da Estrela mas os bancos estão cheios de idosos. Os lares de terceira idade são um bom negócio mas os infantários fecham portas todos os dias.
Eu não acredito muito no poder do Estado e dos governos para alterar a quantidade de nascimentos em Portugal. Não sou muito favorável àquilo que os especialistas chamam “políticas natalistas”. Já aqui o escrevi variadíssimas vezes e a minha caixa de correio sabe dos dissabores que isso me causa cada vez que o faço. Mas nunca será em excesso repetir que o número de nascimentos em Portugal (como noutro país qualquer democrático) não aumentará por causa de uns euros de abate no IRS ou porque um autarca à caça de votos decide importar imigrantes prenhes para o seu concelho.
Tem o governo de criar condições para que os portugueses tenham o número de filhos desejado? Sim, devia fazê-lo, mas isso depende mais da capacidade para gerar crescimento económico do que de outra coisa qualquer. E sabemos o quão hábeis têm sido os nossos governos, os nossos sindicatos, a nossa Constituição, os nossos deputados, os nossos empresários a fazê-lo…
É bom que se estude e discuta a fecundidade. É bom que se conheçam os dados da questão. Mas é certo que essa é a variável que menos depende de nós, porque ela está intrinsecamente ligada ao comportamento de cada um de nós. Foge à lógica do que pode determinar um Estado democrático e daquilo a que estamos obrigados numa sociedade livre. Por isso, é decisivo que compreendamos que vivemos numa sociedade onde o tecido demográfico já não tem o padrão – e dificilmente voltará a ter – de outrora. Há rios que nenhuma barragem para. É para isso que nos temos de preparar, para uma sociedade nova, com novas regras e novas politicas. É esse o desafio coletivo que podemos abraçar, em vez de perder tempo a convencer os portugueses a ter mais filhos por causa de umas esmolas no IRS.