É um ato banal e devia ser uma parte banal da vida dos indivíduos. Mas não é. Alugar casa pode e é um pesadelo. O problema começa quando se tentam fazer os contratos com as utilities.
Comecemos pela EPAL.
Ao telefone, o primeiro funcionário da empresa pública que fornece a água a Lisboa garante que para fazer o contrato é necessária a leitura do contador. Deslocação ao apartamento para tirar a tal leitura. Ao telefone de novo, agora com um novo funcionário (quem sabe quem é quem ao telemóvel!?): não pedem a leitura do contador, nem o envio dos documentos de identificação digitalizados que o anterior funcionário da EPAL exigira. Vinte e quatro horas perdidas. A ligação é marcada para um certo dia, das 10 horas às 16 horas!. Sim, o dia todo: para a EPAL, só a EPAL trabalha em Lisboa, as outras pessoas passam o dia em casa à espera que lhes liguem a água.
Ainda a EPAL. O contador é velho, diz o funcionário que vai ligar a água. Tem de ser substituído e uma torneira de corte tem de ser instalada. Se o serviço for realizado pela empresa (por menos de 50 euros), a água pode ficar ligada. De outro modo, o fornecimento de água não será estabelecido e só depois de um canalizador a instalar se procederá à abertura da água. Mais uma semana, até tudo estar concluído. Mais um dia de trabalho perdido, porque a reparação (que adjudiquei à EPAL, claro, que outra hipótese tinha?) será feita num dia a marcar no período entre as 10 e as 16 horas!
Com a EDP tudo começa no site. As opções de fornecimento de energia são pouco claras e acabo por contratar um pacote que inclui serviços que não queria. Call center, tempo perdido ao telefone para cancelar o contrato errado. Marcação da ligação de eletricidade: uma semana mais tarde. Para a EDP, a eletricidade não é um bem de primeira utilidade, pode-se dele abdicar durante longos sete dias, 168 horas, 10080 minutos.
Vamos agora aos outros vilões da história, as empresas de telecomunicações. Comecemos pelo mais óbvio disparate do mercado português: não há pacotes de televisão e de internet, os dois serviços que pretendo contratar, nas três principais operadoras portuguesas. Por isso, tenho de optar por um serviço com telefone fixo, embora não o queira. E com uma fidelização de 24 meses, que também não quero (não passará pela cabeça das empresas e dos reguladores que a vida das pessoas muda e que há pessoas que só querem os serviços por um período limitado de tempo?).
Contacto uma das empresas, a que tem o serviço mais barato. Anunciam um preço de 26,9 euros por mês, para os três serviços: internet, telefone e tv. Mas logo o funcionário que me atende ao telefone (de um call center, de onde poderia ser?) explica-me que tenho de pagar o aluguer mensal de uma box, 5,5 euros por mês, porque a zona do apartamento só tem serviço de ADSL. Claro que nada disto aparece na página principal do serviço oferecido por esta operadora, só aparece nas letras miudinhas quando se abre uma nova box para a informação suplementar. E é claro que quando testei a cobertura do serviço na área da cidade que me interessava, no site da operadora, não apareceu nenhuma informação sobre o custo adicional (nem sequer sobre o tipo de serviço, ADSL ou fibra ótica).
Desisto, explico que fui enganado, indigno-me com a falta de informação. Decido ir consultar mais em detalhe a concorrência. Mas não tenho tempo porque começam a chover chamadas no meu telemóvel. “Tenho o prazer de estar a falar com o senhor Paulo Chitas? É da Nos…”. Claro que o prazer é só deles, explico, não estou interessado em receber chamadas. Nem as autorizei. Onde obtiveram o meu número de telefone? Como sabem o meu nome? Quem os autorizou a telefonarem-me? A estas perguntas, nada. Exijo, com delicadeza e com tal clareza que até uma testemunha de Jeová perceberia, que não me voltem a contactar. De nada vale: Menos de uma hora depois, voltam a ligar-me de duas operadoras. Irritado, explico que me estão a fazer assédio comercial, que os proíbo de me contactar: desta vez, até uma assembleia de testemunhas de Jeová perceberia o teor da mensagem.
Como conseguem as operadoras de telecomunicações estes contactos? São os serviços de finanças que os fornecem? As empresas de fornecimento de água e de eletricidade? Se sim, com que legitimidade?
De nada valeu pedir que não me contactassem. O telefone continuou a tocar. Bloqueei os números telefónicos que percebi serem das operadoras (ou melhor, dos call centers que contratam para este efeito). Eu sei que os trabalhadores destas empresas também são vítimas, presos a contratos precaríssimos, a ganhar miseravelmente, escravos de objetivos semanais e mensais inatingíveis. Mas há um limite: as pessoas não podem ser incomodadas até à exaustão apenas porque alugaram uma casa. Nem podem deixar de ir trabalhar para ter água em casa. Nem podem ficar uma semana à espera de eletricidade. O que fazem os reguladores do mercado? Para que servem a ANACOM, a ERSAR e a ERSE? O que faz o nosso governo para proteger os cidadãos do assédio sem limites, de serviços mal anunciados, de esperas inqualificáveis por coisas básicas como a água e a luz?