Parou no semáforo e esperou o verde para atravessar a larga avenida que desemboca no Campo Pequeno. No lado oposto, não pude deixar de reparar nela. Empurrava um pesado carrinho de bebé. A tarde estava razoavelmente primaveril para 14 de novembro e ela demasiado vestida, demasiado tapada pela gabardina bege e um hijab azul.
Noutro dia qualquer não a teria registado sequer, até porque a Mesquita Central de Lisboa fica na zona. Mas ontem comecei logo a pensar no que acontecera na véspera. Com a carnificina de Paris ainda tão fresca, registei imediatamente o estigma que aquela mulher transporta em volta da sua cabeça.
“Eles já estão a ganhar esta guerra”, pensei. As redes sociais estão cheias de mensagens de ódio. Um campo de refugiados em Calais ardeu, numa extensão de 10 mil metros quadrados, ainda os cadáveres de Paris não tinham arrefecido. Mas isso não foi notícia de destaque no meio do chorrilho de lágrimas, de informação e contra informação, como não foi a granada atirada para dentro de uma mesquita na capital francesa, em janeiro, logo a seguir ao Charlie Hebdo, entre outros incidentes contra a comunidade muçulmana.
O Ocidente chora e tem medo. O Estado Islâmico já está a ganhar esta guerra. Não é uma guerra pela religião. É uma guerra contra a liberdade, contra a tolerância. Os comentadores e analistas reclamam mais segurança, mais vigilância e menos liberdade. A Europa vai erguer novos muros à sua volta. Em França, o Estado Islâmico revelou-se o melhor aliado do programa extremista e xenófobo da Frente Nacional.
Os ataques de Paris atiçaram o ódio e deitaram gasolina na fogueira da intolerância. Emigrantes e refugiados são agora os alvos do nosso olhar, da nossa desconfiança. Olhamos para eles como corpos estranhos ao atravessarem uma qualquer avenida europeia. São suspeitos aos nossos olhos, porque já nos esquecemos (ou se deliberadamente nos levaram a esquecer) que na véspera de Paris houve um outro atentado Beirute, onde o Estado Islâmico, outra vez ele, matou pelo menos 40 pessoas.
O terrorismo é um fenómeno global cujas vítimas mortais quintuplicaram entre 2000 e 2013. Mas convém ter em mente que é um fenómeno concentrado: 80% dessas mortes ocorrem em apenas cinco países: Síria, Iraque, Afeganistão e Nigéria. Ou seja, nas regiões de onde nos está a chegar a torrente de refugiados, que procuram fugir da morte. É bom que tenhamos isso em mente ao olharmos para uma mulher de hijab a passar nas nossas ruas. Caso contrário, eles ganham mesmo esta guerra.