Há mais de seiscentos anos que os portuenses carregam aos ombros o epíteto de “ tripeiros ” e, não obstante, ainda há, nesta cidade, quem não saiba a origem de tão honroso apelido, com direito a monumento e tudo.
Como é geralmente sabido, foi no Porto que D. João I casou com D. Filipa de Lencastre; e também se sabe que foi nesta cidade que, no ano de 1394, nasceu o Infante D. Henrique, quarto filho daquele régio casal. Ao certo ninguém sabe em que sitio ele nasceu mas não há dúvida de que foi batizado na Sé portucalense, porque existem no arquivo municipal os documentos das despesas que a Câmara fez com a festa batismal.
À terra natal voltou o Infante D. Henrique, quando tinha já vinte e um ano de idade. Veio, pessoalmente, depois de para tal ter obtido a autorização paterna, para tomar conta da frota que nos estaleiros desta cidade fora aparelhada e guarnecida, de homens, de víveres e de armamento, para a conquista de Ceuta. Vem a propósito dizer que os portuenses nunca foram ressarcidos, como agora se usa dizer, das despesas que fizeram com a construção e o abastecimento dos navios. Tanto D. João I, como D. Duarte e o próprio D. Afonso V, a quem a cidade pediu, sucessivamente, o pagamento de tal divida, adiaram sempre a satisfação de tal pedido com o argumento na “apertada situação financeira“ em que o país vivia. Ontem, como hoje…
Durante vários meses foi intensa a azáfama junto à ribeira do Douro. Os caminhos e carreiros que condiziam à cidade andavam congestionados com carros, azémolas carregadas de panos para velas, mantimentos e armas trazidos por nobres que vinham para partir na aventura de Ceuta. Os celeiros e as tulhas de grandes e pequenas casas do porto e dos arrabaldes ficaram vazias. Carneiros, porcos, bois, muitos bois, foram mortos, esquartejados, salgados, metidos em barricas, ou caixas de madeira, feitas propositadamente para este efeito, e acomodadas nos porões dos barcos. Só as tripas, montes e montes de tripas, que não podiam embarcar, porque corriam o risco de rapidamente apodrecerem, ficaram.
E, aproveitando a mensagem daquela máxima que diz que “a necessidade aguça o engenho “, os portuenses, engenhosamente, souberam “ virar o bico ao prego ” , digamos assim, e das vísceras que ficaram dos animais abatidos fizeram um prato que ainda hoje é uma referência da culinária portuense: as tripas à moda do Porto.