A primeira conclusão a tirar do debate entre Passos Coelho e António Costa é que o desinteresse pela política não é, afinal, tão drástico como se tem dito. Os 3,5 milhões de telespetadores registados, o número mais elevado desde que se faz este tipo de contagem, aí estão para o provar. E Passos Coelho bem pode ter contribuído para esse pico de audiência ao dispor-se apenas a um debate, a fazer lembrar o ex-primeiro ministro Cavaco Silva, avesso como era a debater com os seus adversários. Então, como acabou Passos a perder um debate onde ele impôs a regra básica?
Vejamos como funcionou um modelo de debate, que ainda não tinha sido usado. Ao exigir um único confronto televisivo com o seu principal opositor, todas as televisões teriam, obviamente, de estar representadas. E três entrevistadores experientes, mais a mais de estações concorrentes, não iriam, compreensivelmente, dar de barato os seus créditos.
Foi assim que, a meio da primeira parte, o empenho dos entrevistadores em não deixar escapar os lideres às suas perguntas, como fariam numa entrevista, resultou em momentos de alguma tensão. Se uma entrevista é uma relação a dois, aquele debate era uma relação a cinco. E correu o risco de se tornar numa corrida a cinco, tal era o número de interrupções, a lembrar aos candidatos o desvio à questão colocada ou a contagem do tempo.
A certa altura, qualquer dos dois mal conseguia concluir um raciocínio. Não podiam estar apenas focados no outro, mas também mas perguntas e interrupções frequentes. E parecia evidente que alguma coisa iria acontecer. Na melhor das hipóteses, um deles iria queixar-se. Na pior, iria irritar-se. E, à partida, tudo indicaria que seria Costa, mais facilmente irritável como é. Basta lembrar o seu episódio com a jornalista da SIC que “inopinadamente” pretendeu dele um depoimento numa ocasião em que ele não contava. E o dia do debate amanhecera particularmente sorridente para Passos Coelho, com a sondagem da Aximage a dar a vitoria à coligação governamental.
Mas aconteceu o contrário. Foi o habitualmente fleumático primeiro-ministro a acusar a tensão. Talvez, como diz Marcelo Rebelo de Sousa, por estar habituado a um tipo de discurso com longas explicações, que precisariam de mais tempo. Ou apenas porque estava num mau dia. Mesmo na segunda parte, em que o debate correu mais fluido, menos entrecortado pelos entrevistadores, já não recuperou.
A tática de Costa provou ajustar-se melhor a este tipo de debate. Centrou-se em poucas mensagens mas eficazes, até do ponto de vista visual – gráficos simples, que falavam por si. E o ridículo do Programa Vem também pôde ficar a nú sem grandes explicações.
Se isto chegará ou ajudará sequer Costa a vencer as eleições, está por provar. A nível do conteúdo, não vejo razão para que qualquer indeciso se tenha decidido. Não houve uma proposta ou uma ideia que ainda não tivesse sido usada antes pelos dois lideres. Mas, se for verdade o que muitos analistas disseram a seguir, que o debate pode ter animado um PS já esmorecido com os azares da campanha e mesmo com a prestação do líder, então já será um ganho. Um partido mobilizado está certamente em melhor posição para angariar simpatias.
E, ainda que este debate tivesse contribuído para a derrota da coligação, Passos Coelho só poderia queixar-se de si próprio. Lembremos a série de debates entre Seguro e Costa nas primárias. Do primeiro ficou a ideia generalizada que Costa perdeu, porque subestimou Seguro. Se tivesse havido apenas um debate o resultado seria outro? Não é garantido que Costa tivesse pensado no seu adversário com outra consideração. Ao exigir só um debate, Passos Coelho, que previra tudo, desde a necessidade de uma baixa temperatura na sala ou de água gelada na mesa, privou-se do elementar direito à desforra.