Nunca fui especial apreciador do Charlie Hebdo. Pouca vezes o lia e era raro achar graça aos seus cartoons. Achava-os até de algum mau gosto e, muitos deles, particularmente desagradáveis. Tive sempre a ideia, como noutros casos de cartoons do mesmo género, que se tratava de provocações gratuitas. E um desrespeito pelas convicções dos outros.
Mas isso era um problema meu, com qual lidava muito bem. O mau gosto é, como qualquer outro gosto, algo que não se discute. E os excessos de liberdade de expressão e, neste caso, de imprensa têm, nos países civilizados, nos estados de direito e democráticos, locais próprios para serem discutidos: os tribunais.
Na última quarta-feira, ao final da manhã, tudo mudou. Sou, desde aquelas horas dramáticas, mais um dos indefectíveis admiradores de Charb, Wolinski, Cabu, Tignous, Honoré e demais camaradas que faziam o Charlie Hebdo. Os que morreram naquele ataque brutal e os que sobreviveram e agora prometem não deixar morrer o jornal.
Não me interessa muito discutir as causas que levam jovens nascidos, criados e educados em países como França, Inglaterra ou Alemanha a radicalizarem-se a este ponto. Não sei se deva defender mais tolerância por com quem, mesmo usufruindo de alguns dos sistemas de ensino, saúde e segurança social mais vantajosos da Europa acaba a assassinar inocentes em nome de um deus qualquer. Ou se, pelo contrário, a solução é correr com eles, persegui-los e isola-los ainda mais. Não tenho respostas. Sei apenas uma coisa: não aceito viver com medo!
O que o ataque ao Charlie Hebdo veio despertar em mim – e creio que na esmagadora maioria dos milhões que, nas redes sociais e nas ruas de França e do mundo, gritam por estes dias “Je suis Charlie!” – é o sentimento de que esta é aquela barreira que não estamos dispostos a deixar ultrapassar. Não podemos admitir que nos imponham a censura. Não aceitamos que depois de nos quererem obrigar a viver com medo de viajar e até de andar na rua nos tirem também a liberdade de pensar e dizermos o que pensamos.
E esse foi o grande exemplo que os homens e mulheres do Charlie Hebdo vinham dando e que o radicalismo quis calar. O que Charb e seus pares, homens livres, pais, amigos e filhos como nós todos, nos ensinaram foi que, se preciso for, há que morrer pela liberdade. Eles sim, são mártires. Apesar de viverem anos a fio sob ameaça, nunca quebraram. Lutaram sempre, até ao fim, pelo direito à livre expressão das suas ideias. E por isso lhes digo Merci, Charlie!