Ainda não era nascida no dia em que Mário Soares (o primeiro político que vi ao vivo) e Álvaro Cunhal se enfrentaram num dos debates televisivos mais memoráveis da democracia portuguesa, a 6 de novembro de 1975. Nunca cheguei a vê-lo na totalidade, mas fui assistindo a excertos de quase hora e meia na RTP Memória e no You Tube.
Desse momento, fixei duas coisas: a fotografia do jornal A Capital, publicada vezes sem conta nos 40 anos que se seguiram, com Soares do lado esquerdo do écran e Cunhal do lado direito; e, claro, a frase do secretário-geral do PCP, respondendo ao socialista que o acusava de querer transformar Portugal numa ditadura. “Olhe que não, olhe que não!”, dizia Cunhal, calmamente.
No início dessa maratona televisiva que viria a durar três horas e meia, Joaquim Letria e José Megre, os jornalistas e moderadores, explicaram as regras: o frente-a-frente teria dois blocos com um intervalo a meio, não haveria limite de tempo, os jornalistas colocariam questões aos políticos na primeira parte e, na segunda, os oponentes poderiam fazer perguntas um ao outro e responder livremente.
A conversa foi longa e densa. Falou-se de democracias ocidentais vs. democracias populares, de socialismo e liberdades, de revolução e contra-revolução, de reformas sociais, de liberdade de imprensa, de ódio e intolerância. O estúdio era cinzentão, as mesas dos convidados feias, os discursos não tinham soundbytes como os conhecemos hoje e (pasme-se!) os jornalistas fumavam em direto – aliás, José Megre abriu as hostilidades com um cigarro aceso. Era como se aqueles quatro senhores estivessem na sala de estar dos telespectadores. Durante 210 minutos.
Por esta altura e com as presidenciais a na agenda, as maratonas são outras. Dezenas de frente-a-frentes pouco entusiasmantes entre os dez candidatos a Belém preenchem brechas na programação de vários canais de notícias. Na rádio, um só debate com todos durou duas horas e a conversa há de repetir-se, a cinco dias das eleições, nas quatro televisões, em simultâneo.
Quarenta anos depois, os temas andam entre a Constituição, os tratados europeus, a corrupção, as ajudas à banca e o défice. Coisas da vida no ano 2016. Mas, apesar disso, algum dos debates ficará na história? “Olhe que não, olhe que não!”