Ignorando-o, alheios à passagem da data. Recusando as cumplicidades dos patriotismos nostálgicos, a comemoração desprovida de sentido de uma data biográfica irrelevante, a distração do que realmente importa, aqui, agora, para nós. Não porque a história não interesse; pelo contrário, porque a História importa. Mas as comemorações históricas não são apenas, nem principalmente, uma questão de História e de historiografia. As comemorações são acima de tudo as histórias que nos contamos sobre nós próprios e o nosso mundo, e como ele veio a ser como é, estruturado pelas desigualdades de poder e de privilégio, e pela representação e o reconhecimento diferencial que condicionam desiguais oportunidades de vida e de morte, quer na nossa sociedade imediata quer globalmente. O que comemoramos diz-nos o que valorizamos e como: que vidas celebramos, que mortes lamentamos, e que vidas e que mortes esquecemos e negligenciamos.
As comemorações históricas têm também elas história. Fazem parte integrante da era da construção do Estado-Nação no século XIX, acompanham a inscrição política do espaço público monumental, a escrita de novas narrativas históricas e novas genealogias nacionais, e a nacionalização das massas ao serviço de novas ideologias e comunidades imaginadas, formatadas, todas elas, no contexto do novo imperialismo colonial. Levar a História a sério significa também historicizar o que é fazer história e pensar criticamente sobre o papel da memória coletiva e das comemorações, dos monumentos públicos e dos museus, e as histórias que eles instituem e legitimam, e as que marginalizam e silenciam. Ao contrário do que proclamam os novos cruzados da velha História nacionalista, isto não é uma questão de wokeness; é, isso sim, questão de desaprender a ideologia que passa por História, dando voz a uma visão mais plural e por isso mesmo mais rigorosa e verdadeira do passado, e com ela, a uma maior literacia histórica e a uma cidadania mais crítica, que melhor espelha o Portugal de hoje, e a mais justa, democrática e inclusiva sociedade que aspiramos construir.