A história é conhecida: um homem pede a um amigo que lhe empreste 50 euros, mas o amigo, consultando a carteira, verifica que, naquele momento, apenas dispõe de 20 euros. “Não faz mal: ficas a dever-me trinta…”, responde o primeiro. Foi mais ou menos no quadro deste tipo de lógica que a Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, em 2015, adquiriu a TAP. Estas revelações, que já tinham sido “destapadas” pela comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia aérea, foram esta semana confirmadas pelo explosivo relatório de uma auditoria da Inspeção-Geral de Finanças que, encontrando indícios de possível crime, anunciou que vai remeter o processo para o Ministério Público. A bomba cai no colo deste Governo, visto que o caso envolve diretamente o atual ministro das Infraestruturas, que era secretário de Estado da pasta, à data dos factos, tinha o dossier da TAP e que, agora, volta a ter, de novo, essa incumbência. Miguel Pinto Luz, aliás, no seu depoimento na CPI, em 2023, declarou que tudo tinha sido transparente. Mas uma carta da Gateway, divulgada pela Parpública junto da mesma CPI, e que tinha sido enviada à agência estatal, logo após a concretização da privatização, descreve bem os contornos do negócio. David Neeleman obteve um financiamento da Airbus de 226 milhões de euros, que lhe permitiu comprar a TAP. Mas deu garantias de que, em troca, a companhia iria comprar 53 aviões à Airbus. Ou seja, a privatização da TAP só foi possível mediante garantias e dinheiro da própria TAP, e o investidor não pôs lá, praticamente, nenhum capital.
Acresce que o preço pago por esses 53 aviões ultrapassava em muito os preços correntes. No mesmo passo, a TAP aceitava desistir da compra de 12 aparelhos A350, no quadro de um contrato que tinha firmado com a Airbus numa fase muito embrionária do mercado. Os A350 foram, portanto, adquiridos por um preço muito inferior ao que valiam à data da privatização: eram aviões de última geração, mais económicos no consumo de combustível, e a procura era, agora, muito superior à oferta. Com a desistência da TAP, a Airbus ficou livre para vender aquelas 12 aeronaves a preço muito superior – e a companhia portuguesa deitou para o lixo um excelente negócio. O caso faz arder as mãos de Luís Montenegro como castanhas quentes. É que não é só o nome do ministro Pinto Luz que se vê, assim, envolvido, de novo, no caso: a pessoa que acaba de indicar para a Comissão Europeia, Maria Luís Albuquerque, também sai chamuscada. É que a nova comissária era ministra das Finanças, com a tutela da Parpública, e as privatizações tinham de passar pelo seu crivo. É claro que este negócio ruinoso para a TAP, uma vez concretizado, era um problema, agora, dos privados. Mas era a própria sustentabilidade de uma companhia estratégica que estava em causa, e isso não terá sido levado em conta pelos responsáveis políticos. Já a reversão da privatização, com uma choruda indemnização a David Neeleman – sem nunca ser confrontado com a duvidosa engenharia financeira que lhe permitira ficar com a TAP de borla… –, então da responsabilidade do governo socialista, é o passo seguinte de um processo que nasceu torto e nunca se endireitou: veio a pandemia, os aviões pararam (na foto acima vê-se o estacionamento em que se tornou o Aeroporto Humberto Delgado, enquanto contentores com ventiladores são descarregados na pista…) e a fatura foi apresentada aos contribuintes.
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