Atores aparentemente secundários nos tribunais, os oficiais de justiça desempenham um papel principal no funcionamento da Justiça. Sem eles, os tribunais não funcionam, emperram, param, como, de resto, se pôde constatar com as últimas greves.
Os oficiais de justiça dependem funcionalmente do respetivo magistrado, seja ele judicial ou do Ministério Público; no exercício das suas funções, asseguram a autuação e regular tramitação dos processos, prestam a necessária assistência aos magistrados, efetuam o serviço externo, preparam a expedição de correspondência, procedem à respetiva entrega e recebimento e, muito importante, atendem o público. São o rosto o sistema de justiça para o cidadão.
Os que optam pela carreira do Ministério Público desempenham, ainda, funções que competem aos órgãos de polícia criminal, designadamente, GNR, PSP, PJ. Com efeito, são eles que procedem a inquirições de testemunhas, a interrogatórios de arguidos e a outras diligências necessárias à investigação criminal.
Estas funções são essenciais à eficaz tramitação dos inquéritos, prescindindo-se do recurso às “polícias” (órgãos de polícia criminal) para elaboração dos atos processuais pertinentes, o que confere elevados ganhos ao nível de celeridade processual.
Por outro lado, os oficiais de justiça cumprem todos os despachos dos magistrados, sendo eles que materializam o bom andamento dos inquéritos. Naturalmente que qualquer atraso no serviço dos senhores oficiais de justiça repercute-se na tramitação processual. Imagine-se o caso de um magistrado que ordenou a remessa do expediente de um arguido detido a primeiro interrogatório judicial. Não havendo oficiais de justiça, o despacho não será cumprido e o detido poderá vir a ser libertado (como ocorreu no passado dia 24 abril, em Lisboa).
Quem contacta com os tribunais, em especial, com os serviços do Ministério Público, certamente apercebe-se da essencialidade das funções do oficial de justiça. E, já terá percebido também, que há poucos jovens a exercer essas funções, sendo na sua maioria funcionários em idade próxima da reforma.
A carreira dos oficiais de justiça é cada vez menos atrativa, considerando os baixos salários (que, no início, rondam os 900 euros) e que a progressão na mesma está estagnada.
Acresce que os novos desafios de obtenção de prova, em fase de inquérito (entre outras, nas áreas da cibercriminalidade e criminalidade económico-financeira), tornaram mais complexas as funções desempenhadas pelos oficiais de justiça, especialmente, no Ministério Público, não beneficiando de qualquer formação específica que os habilite a investigar estes novos fenómenos.
A elevada responsabilidade inerente às funções de oficial de justiça e a carência de meios humanos e materiais afasta os jovens desta carreira e desmotiva os que ainda resistem.
Já ninguém quer ser oficial de justiça!
Note-se que, no último concurso para 200 novos funcionários judiciais, vários concorrentes não assumiram os lugares em que foram colocados e outros desistiram no período de 6 meses, após o início de funções. Na comarca de Lisboa Oeste, nem foi possível captar qualquer interessado para o recrutamento excepcional, para Sintra ou Cascais.
O mapa de pessoal definido pela Portaria n.º 372/2019, de 15 de outubro é deficitário, desajustado da realidade, impondo-se a sua urgente revisão. Não obstante, existe ainda um grande défice de oficiais de justiça, em ambas as carreiras, com especial destaque para o Ministério Público.
Numa análise ao número de funcionários da carreira do Ministério Público, constata-se que, em 2020, faltavam 298 oficiais de justiça; em 2022, já faltavam 350. Por referência a 31 de dezembro de 2023, encontravam-se em efetividade de funções (nas categorias técnico de justiça principal, técnico de justiça-adjunto e técnico de justiça auxiliar) um total de 1620, num quadro de 2026, sendo que o número mínimo imprescindível ao elementar cumprimento das funções é de 2066.
Curiosamente, no preâmbulo do Estatuto dos Funcionários de Justiça, lemos que as medidas daquele diploma visavam eliminar o “estrangulamento existente na carreira dos serviços do Ministério Público”.
Chegados a 2024, estamos verdadeiramente “estrangulados”!
Apesar de esta enorme carência de funcionários há muito ser conhecida pelo poder político, constata-se que nada de relevante foi feito para pôr fim a este obstáculo ao funcionamento dos tribunais, em particular do Ministério Público.
O desinvestimento na carreira de oficiais de justiça em geral, e do Ministério Público em particular, é preocupante, e se não for rapidamente interrompido, estaremos mesmo perante uma carreira em vias de extinção.
Fala-se tanto em reformas da justiça e na justiça, porque não começar por aqui!?
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