Quem consegue resistir a um casamento real? Até o mais fervoroso republicano cede à curiosidade de dar aquela espreitada na televisão enquanto a cerimónia está a ser transmitida, nem que seja para ver quem são os convidados, os detalhes do vestido da noiva, o bolo, o copo d’água…
Foi curioso ouvir a comunicação social a falar dos preparativos do casamento real da infanta Maria Francisca de Bragança durante todo o dia 5 de outubro. Uma idiossincrasia que só Portugal nos proporciona.
Mais interessante foi ter de explicar a um miúdo de sete anos que o casamento é real, mas que não há monarquia em Portugal.
Ao que a criança retrucou: “Isso faz sentido, mãe?”
Pergunta de difícil resposta para aquela pessoa que o mais próximo da realeza que esteve foi o facto de ser a “princesa do papá”.
Assistir a um casamento real numa República tem o seu quê de interessante, é como uma realidade paralela, “a volta daqueles que não foram” ou “aqueles que são sem nunca terem sido”.
Casamento real em Portugal tem o Presidente da República como convidado, com direito a foto e legenda “selfie real numa república constitucional”. Mas não só. O Moedas, o Portas, o Passos e o Durão também confirmaram presença. O António Costa foi convidado, mas dizem que faltará, pois tem o Orçamento de Estado para tratar: afinal, a República não pode parar.
Do Reino Unido e de Espanha não virão convidados reais, mas quem se importa com isso quando o bolo de casamento foi cortesia do chef Hélio Loureiro?
Há diferenças entre um casamento real e um casamento plebeu. A começar pelos protagonistas, obviamente. Mas não só.
O meu casamento, por exemplo, foi plebeu. A cerimónia não foi num palácio, mas, curiosamente, nos Paços do Concelho na Praça do Município em Lisboa. Não teve 1200 convidados, nós nem conseguiríamos tantos voluntários. Trinta pessoas testemunharam nosso enlace. Todas plebeias, mas de almas nobres.
Nada da cerimónia de nossas bodas nos foi oferecido. Não houve Cardeal Patriarca. Nem alta-costura. Mas out fit da nossa conservadora era muito interessante. A nossa lua de mel não foi em Marrocos, foi em Portugal para prestigiar a economia local.
Diferenças à parte, uma observação: esta epifania gerada pela realização do “primeiro casamento real do século XXI em Portugal” causa alguma perplexidade. Esse tipo de evento parece despertar o fascínio e o imaginário popular, mas está longe de colocar em causa a nossa atual forma de governo.
Na atual conjuntura, é mais provável que líderes populistas ascendam ao poder do que a infanta Maria Francisca de Bragança recuperar o trono perdido. Oxalá não aconteça nem uma coisa, nem outra. Somos uma república estável, com valores democráticos consolidados.
Sempre gostei de casamentos. E há algo em que todos os nubentes se assemelham, sejam eles da realeza ou não: o ideal do casamento como construção de uma vida comum. Ao jovem casal, os sinceros votos de felicidades e uma reflexão de Machado de Assis – “o casamento pode ser a pior ou a melhor coisa do mundo: pura questão de temperamento”.
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